quarta-feira, 30 de maio de 2007

A pequena Maddy

Li o artigo do M.S. Tavares sobre a pequena Maddy no Expresso e fiquei com um amargo na boca pela lógica que vejo subreptícia. Critica asperamente a exploração inteligente que o casal Mccann faz do desaparecimento da miúda e o facto de ser suportado na sua ligação com os media por um consultor de imagem, bem como a excessiva cobertura nos media portugueses e ingleses. MST julga-o desproporcionado e uma deturpação das regras do jogo pela cobertura que lhe é concedida e aproveita para questionar os critérios do director de informação de um dos canais. Termina com um apelo ultranacionalista ao desequilíbrio do impacto noticioso da notícia com o facto de terem desaparecido nas últimas semanas centenas de crianças em Portugal e em Inglaterra.
Os argumentos de MST são, no essencial, demagógicos e falhos de objectividade. Usam estigmas de análise que manipulam o sentido dos acontecimentos e a sua leitura. MST é um manipulador, aliás todos os grandes jornalistas [como os actores políticos] o são. Reescrevem as linhas da factualidade de acordo com a lógica que fixam a priori e depois manipulam segmentos da informação para se ajustarem à mesma.
Vamos por partes. A cobertura do "rapto" da pequena Maddy é ajustada à importância da notícia, porque ela ultrapassa a mera circunstância do caso concreto para se ter tornado um caso político. E a politicidade do caso é a fiabilidade das instituições judiciais e policiais em Portugal, a relação com as comunidades estrangeiras que aí residem ou veraneiam, agora que Portugal ocupa a presidência da Comissão Europeia e irá ocupar, a partir de Junho, a presidência do Conselho de Ministros. Essa é a real leitura do caso Maddy que a família da pequenina [e a imprensa inglesa] tem inteligentemente explorado. Envolve o primeiro-ministro de Portugal e como se viu há pouco o primeiro-ministro de Inglaterra [embora isso fosse diplomaticamente negado]. O problema não tem a ver com o facto de desaparecem várias centenas de crianças, tem a ver com o facto de Portugal ser ou não um país seguro para os turistas que nos visitam. E se Portugal quer enjeitar o complexo de excentralidade que Salazar lhe incutiu na cabeça tem que se assumir como urbe civilizada capaz de atrair os que nos visitam e de quem precisamos - como pão para a boca - para equilibramos a nossa economia.
Há também, neste caso, uma outra leitura que tem a ver com diferenças culturais profundas entre as culturas inglesa e portuguesa. Na cultura anglo-saxónica quando as pessoas se encontram em situações de dificuldade pedem ajuda aos familiares, aos vizinhos e organizam-se em grupos ou associações para ultrapassarem essas dificuldades. Não precisam do Estado, não esperam do Estado que lhes resolva os [seus] problemos. Alexis de Tocqueville, o aristocrata francês, descreveu este fenómeno num livro famoso. Em Portugal é o oposto. As pessoas esperam que o Estado faça tudo, a comunidade desinteressa-se [salvo raras excepções] depois do primero impacto sobre o drama humano, os pais dos desaparecidos prostram-se numa passividade autofágica esperando que a Sra de Fátima ou a santinha da ladeira as livre da aflição. E culpam a polícia pela falta de resultados. E os problemas morrem [ou adormecem]. Depois do primeiro impacto na comunicação social os casos jornalísticos perdem frescura, logo interesse para a cobertura noticiosa. Não estou a ser cínico a realidade dos media é esta.
Esse é o segredo da exploração inteligente do caso Maddy que MST se aplica em escamotear. E por isso erra completamente na sua análise. Será curioso ver se a cobertura noticiosa deste caso não irá produzir resultados mais palpáveis que a tradicional acção da investigação policial.