sábado, 7 de abril de 2007

Na lista das compras II




Já no domínio da filosofia e dos estudos de ética. A eventual permeabilidade entre a filosofia de Aristóteles e o pensamento de Confúcio será útil para perceber o sucesso da China e o fio político e valorativo da sua ascensão a Grande Potência. De Hannah Arendt cujo centenário passou praticamente despercebido no panorama intelectual português um tema sobre que não conhecia ainda nada [a temática dos direitos humanos e a valoração do espaço público]. Arendt continua uma filósofa maldita para a intelectualidade de esquerda bem-pensante. Teve o arrojo há 40 anos de chamar ao socialismo de leste um totalitarismo e de pôr a nu o que há de comum às ideologias totalitárias [fascismo e comunismo]. Finalmente um livro que deveria ter saído há 2 anos quando "fechei" o manuscrito de "A Europa à procura do futuro" a minha primeira aventura no ensaio e investigação político-histórica. A sair este ano pelos Livros Horizonte com lançamento em Lisboa. Entender as raízes ideárias da construção europeia é perceber o iluminismo, nas suas várias dimensões e o que ele inspirou a aventura americana e a Declaração de Independência.

Na lista das compras

Alguns dos títulos que fazem parte da minha lista de próximas compras. Temas vários da actualidade: o Irão e a ameaça à democracia; Para que serve a democracia? Em que radica a riqueza das nações?
Sobre o primeiro parece evidente do recente episódio com os militares ingleses que estamos perante um regime extraordinariamente inteligente, que gere a propaganda e as tácticas de antecipação com enorme mestria. Comentava outro dia com o JCMatias, um hitlerismo sem aquela imagem repugnante e marcial que não deixava dúvidas aos partidários da democracia. O segundo é um tema [pelo menos para mim] sempre aberto da ciência política. Que fazer com a democracia agora que ela se esgota num formalismo pendular e muitas vezes vazio? Regressar ao popularismo de Rousseau? E o Terminador e a tirania dos soviets? Finalmente porque é que umas nações são ricas [cada vez mais ricas] e outras são pobres [escandalosamente pobres] e como inverter esse ciclo de pobreza, miséria e dispensabilidade?. Três pistas de respostas.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Bem vinda

A Elen Paula Bueno junta-se à equipa de navegadores do Além Bojador. A nau aporta ao Mar Alto e faz-se com a quilha cortando as vagas alterosas, sob um sol replandescente. Bem vinda.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Um país a três tempos [III]


[...] De forma progressiva, assenta ar raiais a ideia que os portugueses po dem triunfar fora. Aerosoles, Fly London, Pablo Fuster e Gino Bianchi e Armando Silva são exemplos de algumas empresas portuguesas do ramo do calçado que têm encontrado grande sucesso nos mercados internacionais dispondo de redes de distribuição comuns para penetrarem em mercados difíceis como a Espanha, a Dinamarca, a França, o Luxemburgo ou a Alemanha.

Pedro Belo, director do banco BCP para o Canadá e os Estados Unidos, é um outro caso de sucesso, tendo contribuído para a criação de uma rede de 24 sucursais do banco em junto das nossas comunidades emigrantes, naqueles dois países, em pouco menos de dois anos. Irene da Fonseca, matemática de prestígio a trabalhar na Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, dirige um Fórum Internacional de Investigadores Portugueses que associa uma dezena e meia de investigadores que optaram por trabalhar no estrangeiro [em foto debate em Nova Iorque]. O objectivo: incentivar o intercâmbio entre investigadores, contribuir para a melhoria das políticas de apoio e promover a mobilidade.

O Portugal do amanhã é diferente do outro: o do passado e do presente. Tem que provar que é melhor que o competidor estrangeiro próximo tem que levantar a cabeça e fazer-se à luta apesar das dificuldades. Não se pode dar ao luxo da inveja e da comiseração.
Jornal Tribuna de Macau, 5.04.2007

Um país a três tempos [II]


[...] Segundo rezam os jornais o primeiro-ministro José Sócrates terá obtido, de forma indevida, uma licenciatura em engenharia civil pela Universidade Independente em 1996, depois de ter tirado um bacharelato no Instituto Politécnico de Coimbra. Sucede que a licenciatura da UI foi criada por diploma do governo socialista de Guterres de Maio de 1995, com efeitos retroagidos ao ano lectivo 1994/5, o que aponta que José Sócrates teria de ter frequentado pelo menos dois anos complementares para obter o grau de licenciado. O que parece manifestamente irrealizável num só ano lectivo. Tendo o primeiro grupo de licenciados saído da UI em 1999 questiona-se a plausibilidade do grau do primeiro-ministro adquirido em 1996 e o aprumo ético do seu comportamento.

A história é rocambolesca, mas mostra, de forma exemplar, duas coisas: a promiscuidade que vai entre o poder executivo e os poderes académico, económico ou judicial, poderes que a bem da normalidade democrática deveriam manter-se separados; a importância de uma imprensa livre, independente e crítica para a saúde mental do nosso país, malgré tout.

Espera-se que a questão seja deslindada pelo Ministério de Educação, uma vez que não parece sério que se mantenha em funções um primeiro-ministro que obteve, de forma imprópria, as respectivas habilitações e que tem feito da revolução curricular [nas escolas] e da inovação [empresarial] as causas do seu governo.

Há neste negócio da política uma regra basilar: os dardos que se arremessam contra um adversário político retornam mais tarde com acrescida violência e estrondo. Por isso é preciso tino na língua e cuidado nas acções.

Durante os dois anos que leva de mandato José Sócrates tem procurado convencer os portugueses de uma coisa difícil. É necessário fazer uma revolução educacional no país, para o projectar aos níveis europeus e, por essa via, reforçar a sua competitividade externa. E para isso é forçoso ajustar a estrutura curricular às necessidades da indústria e das empresas.
À primeira vista estas ideias são sérias, pacíficas e consensuais. O atraso do país em matéria de habilitações académicas é por demais evidente e reflecte-se na nossa queda nas estatísticas da União Europeia. Mas o primeiro-ministro tem-nos procurado convencer que o problema é também do currículo escolar, i.e., abundam cursos de generalidades - diz-se de “humanidades” - que nada acrescentam ao país e que levam os jovens a que por eles optam a tornarem-se candidatos crónicos ao desemprego.

Tendo, talvez, uma parcela de razão o primeiro-ministro fantasia sobre o sucesso da sua política. É que mesmo que o ensino superior acolhesse a revolução que anuncia dificilmente esta nova onda de “pós-licenciados” resolveria num ápice os problemas do país.

Por duas razões elementares. É que não havendo subida das empresas na pirâmide do processo tecnológico dificilmente a melhor qualificação significa valor-acrescentado. Ou seja, o Engº Belmiro, o Dr. Carrapatoso, o Dr. Mexia, o Prof. Nogueira Leite e os tipos do “Compromisso Portugal” no fundo querem ter como vendedores, agentes comerciais ou assistentes, jovens munidos de um doutoramento a quem possam continuar a pagar salários de balconista do shopping. Fica bem, cai bem.

Por outro lado, ao fazer deslizar o sistema educativo para um arrazoado de especializações sem ligação aparente, a reforma educacional transforma esses jovens em analfabetos funcionais. Só sabem da sua especialidade, são absolutamente ignorantes em termos de cultura geral, de história, de geografia. Como nunca o foram as gerações precedentes.

Por isso a retórica do Primeiro-Ministro [como a sua graduação] tornou-se um exercício de mau-gosto e só é pena que a oposição não cumpra a sua função constitucional. [...]

Um país a três tempos [I]


Um país a três tempos

1. A perplexidade que tomou o país após o conhecimento dos resultados de um recente concurso televisivo lançou uma nuvem negra sobre a capacidade da jovem democracia portuguesa se reconciliar com os portugueses. Apesar disso, ou talvez por isso, constitui uma magnífica oportunidade para uma psicanálise colectiva a como estamos enquanto povo e colectivo de cidadãos.

Estas duas expressões são empregues normalmente como sinónimos, mas em boa verdade referem-se a coisas diferentes. Pode-se ser povo humilhado, derrotado e passivo, ou povo consciente, exigente e ambicioso. O sujeito e o verbo são os mesmos, mas os complementos directos respeitam a coisas absolutamente diversas. Ser-se um colectivo de cidadãos significa sentirmo-nos responsáveis pela nossa sorte, enquanto comunidade política, críticos daqueles a quem confiamos o mandato de nos governar e pedagógicos em relação aos erros de visão [ou de educação] dos nossos concidadãos.

É curioso que as duas personalidades políticas que obtiveram os favores dos espectadores da RTP - Salazar e Cunhal - têm mais em comum do que à primeira vista possa parecer. Ambos retêm alguns dos traços de individualidade portuguesa sobre que importaria reflectir, com alguma profundidade. Entre politólogos e sociólogos poder-se-ia acrescentar algo de substancial, mas pelo que vejo, na imprensa e nas televisões, os nossos distintos intelectuais estão mais entretidos em lamber as feridas ou limpar o seu orgulho ferido do que a tornarem-se verdadeiramente úteis.

Voltando aos traços comuns dos insignes políticos. Desde logo, a assunção de um destino individual, solitário e grandioso, que se lhes impõe como se tratasse de uma missão divina [ou predestinada]. Um destino que se arroga inspirador de sacrifícios exaltantes. Por outro, a ênfase nas diferenças sociais, que destinam uns a mandar e outros a obedecer e exigem uma elite que funciona acima da grei como vanguarda na caminhada do povo para o “paraíso glorificado”. Se nos dermos ao trabalho de associar em pares os slogans mais conhecidos da retórica fascista e comunista percebemos quanto estas ideologias estão ligadas e se assemelham, apesar de serem apresentadas, habitualmente, como antónimos: chefe-secretário-geral; união nacional-partido de vanguarda; povo-massas; personalismo cristão-ideologia da classe operária; evangelização-emancipação do proletariado; adversários da nação-inimigos da classe operária; desígnio nacional-missão histórica. E por aí fora.

De um modo especial, a prosopopeia do sacrifício e do desígnio histórico em alguém invulgar que exerce um poder absoluto, proclamando um estoicismo próprio de deuses é comum ao perfil de Salazar e Cunhal. Ambos exerceram um mando que foi prolongado, liberto de constrangimentos do mandato representativo e destinado a ser cegamente obedecido. Ambos exerceram um poder pessoal que se cimentou no secretismo, no medo, na auto-censura e na eliminação do inconformista.

O que é que isto tem a ver com o Portugal de hoje? Aparentemente pouco ou nada. Então porquê o escândalo?

Porque estando aparentemente datados, Salazar e Cunhal são a f'ábula do político que faz o que apregoa, que se devota à causa pública sem olhar a ganhos pessoais, que governa [ou manda] sem esperar o consentimento dos governados [ou dos correligionários], mas de uma forma determinada, eficaz. Personificam um poder acima da vulgar suspeita de aproveitamento e projectam um élan aglutinador que se funda numa Fé profunda e inquebrantável, numa construção divinizada do dogma, no carácter exclusivista da seita. Por isso ambos tornaram-se, no inconsciente dos portugueses, numa espécie de santos.

E não há nada que os portugueses apreciem mais que os santos. Há-os para todos os gostos: os Pastorinhos de Fátima, a Senhora da Ladeira, a Beata Alexandrina Maria da Costa, o Frei Bartolomeu dos Mártires, a Rainha Santa Isabel, o Beato Nuno Álvares e o Padre Cruz. Porque não canonizar ao vivo na televisão Cunhal ou Salazar? A guerra colonial, a censura, o trabalho africano escravo, a tortura da estátua, os mortos de Nambuangongo, a PIDE-DGS e os calabouços da António Maria Cardoso meros peanuts. A eliminação dos inimigos à liderança nos duros anos de clandestinidade, a cumplicidade com Moscovo e o KGB, o aventureirismo do PREC, cookies.

Segue

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Cenas de Vida 7- Jejum e abstinência

Estou chocado! A culpa é da manchete de hoje do Correio da Manhã que divulga que as esmolas dos crentes portugueses nas Igrejas diminuíram 25% nos últimos três anos. Como é que os padres que se passeiam em Mercedes SLX e outras bombas similares ( reportagem ontem publicada no mesmo diário) se vão governar? Eu compreendo que a vida está má para todos, mas não poderão os crentes portugueses fazer um sacrifício, continuando a contribuir para o bem-estar do clero português? Em plena época Pascal, não há nada mais bonito do que ver um padre descer do seu Mercedes empunhando a cruz e dá-la a beijar aos crentes e, em simultâneo, apregoar a humildade, a recusa do espavento e da luxúria, o desapego dos poderes terrenos.
Essa história do “Compasso”, com o padre a caminhar a pé de casa em casa, bebericando vinho do Porto em cada lar, era deprimente. Ao menos agora, como transportam a cruz nos seus bólides são obrigados a respeitar a máxima “ se conduzir não beba”. Isto é que é progresso, mas a insensibilidade do povo português não lhe permite compreender a dimensão da modernidade. Para onde irá a Religião?
Em sinal de respeito pelo período Pascal, e em solidariedade com o clero, vou cumprir um período de “ Jejum e abstinência” de quatro dias, só regressando ao vosso convívio na próxima segunda-feira. Até lá , espero (re) ler as “Ficções” de Jorge Luís Borges, e o livro de Judith Levine "A mim não me enganam", na expectativa de regressar “bonzinho”. Boa Páscoa e boas leituras.

De Lisboa a Nova Iorque

A imprensa matinal esforça-se, de vez em quando, por nos dar notícias que nos façam esboçar um sorriso logo pela manhã e ficar mais bem dispostos ao longo do dia.
Foi o que aconteceu hoje, quando li que um estudo da Mercer Consulting concluíra que “Lisboa é melhor que Nova Iorque”. Confesso que não foi novidade, pois eu já experimentara essa mesma sensação na última vez que lá estive, como passo já a demonstrar.
Passeava eu por Central Park, e só suspirava por regressar rapidamente a Lisboa, para poder desfrutar da beleza do Jardim da Estrela. Depois, tomava o pequeno almoço em plena Broadway, ao lado de Woody Allen, e pensava num lamento: bom mesmo, era se agora estivesse no Parque Mayer a tomar café com o Tony Carreira!
Em plena 5ª Avenida, só sentia saudades da Avenida da Liberdade e junto ao Ground Zero, só me vinha à memória o Túnel do Marquês.
Pensei que à noite as coisas melhorassem, mas quando cheguei a Greenwich Village logo tive saudades da Cova da Moura e mesmo em Times Square, só suspirava pela animação do Terreiro do Paço às 10 da noite!
E em termos de Arte? Há alguma comparação entre a Estátua da Liberdade e o monumento fálico do Cutileiro no topo do Marquês? Ou entre o Guggenheim e o CCB?
Meus amigos, os estudos não mentem, Lisboa é incomparavelmente melhor do que Nova Iorque e acho mesmo injusto que Lisboa esteja colocada em 47º lugar, atrás de cidades tão desinteressantes como Viena, Zurique, São Francisco, Helsínquia, Londres ou Paris.
E claro que o facto de Lisboa ter ficado colocada em 69º lugar no que concerne a cuidados de saúde, também não interessa nada para o caso, porque ocupa uma excelente posição na tabela classificativa, no que respeita à qualidade dos serviços financeiros.
“Lá vamos, cantando e rindo, levados, levados sim....”

Cenas de Vida 6-A Bela, o Mestre e...o cacau!

A TVI estreou um novo reality show. Como não gosto de escrever sobre aquilo que não vi, mas andava curioso para ver, em virtude das alusões feitas na imprensa, convenci a minha mulher a dar uma espreitadela “naquilo”, no rescaldo do último Benfica-Porto.
Para quem nunca viu o programa, esclareço que consiste em meter, na mesma casa, “umas gajas boas, mas burras” que encontram como parceiros “uns gajos inteligentes, mas toscos”. Em termos práticos – e para que percebam melhor- é como se alguém decidisse meter na mesma casa a Mónica Sintra e o Miguel Frasquilho. Estão a imaginar o resultado?
Eu não... até porque não consegui perceber concretamente qual a finalidade do programa, a não ser encher os bolsos de um dos ( ou das?) concorrentes.
Para o efeito, no entanto, isso não interessa nada. O programa , com o sugestivo título de
A Bela e o Mestre” é mais um dos horripilantes formatos TVI, um novo Big Brother - e está tudo dito.
Mas houve uma coisa que me interessou no programa ( para além de algumas meninas involucradas em generosas mini saias). É que o concurso tem um júri (que também não tive tempo de perceber o que lá está a fazer) do qual fazem parte Clara Pinto Correia e Rui Zink. Claro que aquilo interessou-me, pois não é todos os dias que vemos dois mediáticos “intelectuais” da esquerda “caviar” a integrarem um júri de um programa da TVI.
“Alto e pára o baile” – disse para os meus botões. Reality shows com intelectuais “pia mais fino”! Por momentos pensei que tinha sido preconceituoso com a TVI e afinal estaria perante um programa de nível cultural acima da média (rasteira) do canal. Não precisei de muito tempo para perceber que aquilo era mais um programa da cultura rasca da TV (mon)I(z) onde o objectivo é “achincalhar” a mulher. Bin Laden deveria achar imensa piada “àquilo”!
Interroguei-me sobre as razões que terão levado uma acérrima defensora dos direitos das mulheres e o seu acólito Zink a aceitarem participar num programa daquele jaez tendo concluído, depois de um conciliábulo com a minha mulher, que deveriam ter sido enganados. Em sintonia de opiniões, iniciámos a prática do zapping e poucos minutos depois fomos dormir lamentando ( por razões diferentes) o resultado do Benfica-Porto e a má sorte da Clara e do Rui.
Esta manhã, porém, descobri que os enganados fomos nós. Numa entrevista, Clara Pinto Correia, justifica a sua participação no júri, “como uma penitência que deve ser feita por toda a gente interessada em conhecer o país real” e rejeita que o programa degrade a imagem da mulher. Que mais será preciso para Clara o reconhecer? Que lhes cuspam em cima? Que lhes batam em público ( já aconteceu num Big Brother)? Que as obriguem a beijar os pés do macho, pedindo perdão por terem errado a resposta a uma pergunta que qualquer criança com a 4ª classe saberia responder?
Certamente que nenhuma destas situações levaria Clara e Rui a mudarem de opinião. Há pessoas que a troco de “cacau” até são capazes de afirmar que o esterco de cavalo cheira a rosas.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Um olhar superficial sobre a corrida ao Eliseu

O Arnaldo tem razão. O tema China e o Sínico, a par da carga de trabalho são factores que me têm afastado do "Além do Bojador". Afastado da escrita, não da leitura diária.
As presidenciais francesas são indubitavelmente um dos grandes acontecimentos políticos do ano na Europa. Entre as três opções em cima da mesa -partindo do princípio que Bayrou é um dos pratos da balança tripartida - apenas me causa um forte incómodo que Sarkosy venha a ocupar a cadeira do seu rival ex aliado Chirac. Não apenas por ser de direita,mas porque é acima de tudo neogaulista. Mais "liberal" que Chirac, mas ao mesmo tempo mais populista. Atente-se nas posições (oportunistas certamente) que toma face à imigração e à criminalidade. Será mera táctica para ocupar o espaço de Le Pen? Talvez.
Quanto a Ségonele Royal o que lhe sobra em forma falta-lhe em substância e coerência. Duvido também que seja a face da modernização da esquerda francesa.
Li há dias que esta "guinada" à esquerda recente se deve à necessidade de -lembre-se o que aconteceu com Jospin há cinco anos - ocupar o espaço mais à esquerda operário e de classe média urbana que poderá "cair" para os candidatos trotkistas, comunistas ou verdes. Antes tinha dado a entender que poderia ser um mão-severa, uma chefe de governo com mão muito dura face aos marginais. Em todo o caso, estando longe de Zapatero -esse sim da "esquerda moderna" - Royal parece-me ser o mal menor nesta equação.
Digo isto à distância. A 11 mil quilómetros, sem conhecido aprofundado (nem pouco mais ou menos) da realidade francesa.
Como europeu e europeísta desejo acima de tudo que quem ocupar a cadeira no Eliseu possa ter uma relação próxima e dinâmica com Berlim e com Londres para que a crise institucional que se vive na UE possa ter uma saída.
São estas as minhas modestas observações, entre leituras mais orientais que me consomem - com prazer - o tempo.

A campanha presidencial francesa

[...] REVALORISATION du travail, maîtrise de l'immigration et défense de l'identité nationale. À trois se- maines du premier tour, Nicolas Sarkozy a exposé les « grandes questions » de la présidentielle. Pendant une demi-heure, l'ex-numéro deux du gouvernement a défendu les dossiers dont il avait la responsabilité Place Beauvau. Les questions de « sécurité et d'immigration » sont un « thème majeur » de la campagne, a-t-il martelé.
Le retour du débat sur la sécurité est-il la marque de son échec ? L'ex-ministre de l'Intérieur s'est inscrit en faux. « C'est une erreur de dire que toute la campagne 2002 s'est jouée sur l'insécurité et je pense que c'était une erreur de dire que la sécurité et l'immigration n'étaient plus dans le débat. Si je pensais que tout était réglé, pourquoi serais-je candidat ? », a-t-il répondu lors du Grand jury RTL-Le Figaro-LCI.
Interrogé sur les violences de la gare du Nord, il a répété qu'il voulait instaurer des peines planchers pour les multirécidivistes et punir les mineurs délinquants comme des majeurs. Il a dénoncé avec virulence la décision du conseil régional (PS) d'Île-de-France d'accorder la gratuité des transports aux RMIstes. « Je m'oppose à cette République de l'assistanat, à cette République de la fraude. Je veux faire exactement le contraire. » Car il s'est adressé à la France du « non », à la France qui ne vote plus ou vote pour les extrêmes : « Je veux parler à cette France. Je l'ai comprise. » Ira-t-il en banlieue d'ici au premier tour ? Sarkozy élude : « J'ai choisi comme porte-parole Rachida Dati. »
No Le Figaro

Não tenho, nesta campanha presidencial francesa um candidato preferido. Incomodam-me como europeu as questões da desigualdade e do ostracismo, criadas por uma sociedade liberal que não encontrou ainda os mecanismos sociais de reequilíbrio. Incomodam-me também as questões de insegurança colectiva, as explosões de vandalismo gratuito, e a perda de identidade nacional pela diluição das fronteiras.
Oscilo entre estes duas dimensões da cidadania. Mas acho que os políticos europeus têm que perceber que o mundo em que cresceram depois da Segunda Guerra Mundial já não é o mesmo. É menos justo mas é menos seguro. E essa insegurança é causada não propriamente por ameaças externas [nenhum país europeu é ameaçado por um estado vizinho distruptor] mas por ameaças internas. E nessas tem importância decisiva a integração das comunidades imigrantes, curdas, magrebes, africanas, do Leste europeu.
Só se pode integrar quem quer ser integrado; só se pode criar condições para se tornar um bom francês, alemão ou suiço quem se quer identificar com a comunidade a que se acolhe e com os valores que a estruturam. Não se pode querer ser europeu e praticar a poligamia; não se pode ser europeu e defender a defenestração das mulheres porque são inferiores e escravas; não se pode querer usar o simbolo de uma identidade religiosa particular como arma de arremesso contra a cultura de acolhimento.
Não faz sentido, não nos podemos dar a esse luxo.
Durante as quatro últimas décadas a Europa foi um espaço aberto a todos os que a demandaram por razões económicas, políticas e sociais. Só não ali arribou quem não quiz. O mundo mudou desde então e como mostraram os atentados de Madrid e de Londres o problema do terrorismo está dentro da Europa, é um problema europeu e tem que ser resolvido pelos europeus. Os jovens que estiveram envolvidos nesses atentados não eram quaisquer deles emigrantes pobres, desfavorecidos, exorcizados. Eram jovens da classe média, enraizados na sua comunidade, com razoáveis empregos. Serviram, objectivamente, estratégias de subversão das sociedades europeias, a soldo de forças estrangeiras. Os seus propósitos são um problema de segurança nacional, não de disfunção social e têm que ser tratados como tal. Os desacatos da gare do Norte pelo que vi na televisão foram problemas de polícia e devem ser tratados como tal. São delinquência pura e simples que reclamam o sentido de responsabilidade do estado de direito democrático.
Tenho, nos últimos meses, chamado a atenção que este crescendo de violência gratuita pode gerar fenómenos de reacção impulsiva, ao longo de linhas rácicas, como as que aconteceram nos últimos dias da República de Weimar e levaram à eclosão do nazismo. É preciso lembrar e perceber que o nazismo triunfou não porque um bando de energúmenos conspirou contra o estado democrático, mas porque soube também ir de encontro aos medos, às preocupações de insegurança do conjunto da população alemã que lhe deu a vitória em eleições livres e generalizadas. Sem o apoio dos alemães vulgares, comuns, nunca o nazismo teria triunfado. Por isso as simplificações são péssimas e para além disso são irresponsáveis. Nem todas as reacções sociais são positivas, nem podem ser lidas como expressão de revolta de comunidades que se sentem desajustadas socialmente. Em democracia não tem razão quem grita mais alto, quem incendeia carros ou quebra montras. A democracia tem outros mecanismos para que o direito à desobediência se expresse. Confundi-lo é abrir a porta aos hipócritas, aos bandidos.

Em memória dos “Doors”

Assinalaram-se ontem os 40 anos do lançamento do primeiro disco dos “Doors”. Mais do que os “Beatles”, ou os “Pink Floyd” ( omito propositadamente os “Rolling Stones”, com quem nunca fui muito à bola), os “Doors” foram marcantes na minha juventude. Confesso que só na “volta” dos 50 percebi a importância que a banda de Jim Morrison exerceu em mim. Foi a partir dessa idade que comecei a apreender que a recordação dos êxitos dos Beatles ou dos Pink Floyd me trazem à memória recordações da juventude( aquela festa particular, aquele primeiro beijo, aquele “esfreganço” retribuído com um estalo...) mas pouco mais.
Já quanto aos “Doors” a reacção é diferente. É claro que também evocam “tempos que não voltam mais” mas, ao contrário do que acontece com as outras bandas, a sua música soa-me com uma inexplicável actualidade. É como se os estivesse a ouvir pela primeira vez , como se estivesse a receber, em primeira mão, as mesmas sensações que me fizeram vibrar durante a sua primeira audição.
Como já escrevi em relação à Argentina, as paixões não se explicam, por isso não sei explicar o meu fascínio pelos “Doors”.´Até porque, posso garantir, nunca me apaixonei ao som de uma canção deles. Mas digo-vos que é para mim uma sensação única ouvir “ Strange days”, “LA Woman”, “People are strange”, “Riders on the storm”, “Light my fire”, ou “Spanish caravan” sem a nostalgia do passado, mas sim com a alegria do presente.

Balanço, ou talvez não!

Fico satisfeito por saber que o Além do Bojador vai crescer em espaço geográfico e em contributos humanos. O melhor dos blogs, quanto a mim, é permitir pontos de vista diversificados sobre um mesmo tema e agregar sensibilidades diversas. Seja pois bemvindo, quem vier por bem.
Agradeço as palavras do Arnaldo Gonçalves, mas queria lembrar que foi ele quem tomou a iniciativa de criar o Além do Bojador e por isso deve ser parabenizado. Muitas vezes não estou de acordo com o que ele escreve, mas é sempre um prazer ler os seus posts.
Em termos de experiência pessoal ( só cheguei cá há dois meses) este blog tem sido uma experiência enriquecedora ao nível da reflexão e da catarse ( como se depreende dos posts que tenho escrito sobre a Argentina. Quando alguém me disser como se cura uma paixão, talvez apreenda a refrear-me, mas até lá, desculpema mas vão continuar a aturar-me)
E espero manter estes diálogos com o Arnaldo Gonçalves, que me espicaçam e motivam.
E em breve, prometo voltar aos Cromos da Semana, mas por agora respeito a época pascal e deixo-os em paz. Como se vê, aliás, pelo post acima...


Algumas notas aos companheiros da nau

Ao Paulo Marques parabéns pelo lançamento do livro Marketing Inovador que creio ser a sua primeira aventura na edição, boas vendas e votos de um novo projecto a caminho eventualmente na área da economia onde o Paulo muito sabe.
Também uma nota de júbilo ao Carlos Oliveira pelas crónicas que nos tem trazido das suas vivências e do grande amor que irradia pela sua Argentina. Faz-nos a todos - companheiros de jornada e leitores - crescer àgua na boca. Os posts que deixa não podiam ser mais oportunos. Mostram-nos um país que dificilmente se vislumbra à distância.
Ao José Carlos Matias pela impressiva anotação ao seu tema central China, que traça noutras paragens sinólogas. Pena que não possa nos acrescer - neste espaço - a sua visão do país e da lusatineidade de que é, enquanto jovem jornalista, observador bem-colocado.

O Além Bojador cumpridos estes seis primeiros meses de vida ambiciona fazer-se ainda mais para Sul, dobrar o Cabo de Boa Esperança e demandar o Indico à vista de Moçambique, tocando depois na Índia e rumando às costas do Japão. As velas precisam de ser reforçadas e o calado consolidado para que possa sem temor afrontar a violência do Índico para atingir depois o pacífico. A tripulação vai por isso aumentar. Novos posts e novas viagens.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Bebedeiras a preço de saldo

Os noticiários televisivos de ontem emitiram várias reportagens acerca da presença de mais de 20 mil jovens portugueses, entre os 16 e os 18 anos, em Lloret del Mar. Ao que parece aquele destino foi escolhido para os jovens fazerem a sua viagem de fim de curso(!) Por este andar, um dia destes ainda vamos ver crianças que terminam a 4ª classe a fazerem viagens para Islantilla ( acompanhadas de “babysitters”?).
Os preços das viagens eram a preço de saldo, mas em alta está o número de adolescentes que todas as noites dão entrada nos hospitais locais em coma alcoólico ou com simples bebedeiras. E claro, não faltaram distúrbios nos hotéis.
Diante das câmaras - que mostravam jovens a beber vinho pelo gargalo de garrafas de litro- os pais portugueses defenderam os seus rebentos e acusaram de insensibilidade os responsáveis das unidades hoteleiras que lhes puseram as malas à porta, obrigando-os a antecipar o regresso.
Uma boa imagem do estilo Al(g)arve que padroniza a sociedade portuguesa.

Encore, Ségolène....

A poucos dias das eleições presidenciais francesas,alguma imprensa afecta a Sarkozy lançou uma campanha suja contra Ségolène Royal... A insinuação de que o aspecto “sorridente, jovial e bem disposto” que Ségolène apresenta quando surge em público se deve a uma satisfatória vida sexual nos bastidores, é um símbolo inequívoco de machismo perverso da direita francesa. Pensei que esta direita medieva já não existisse no país que nos deu a conhecer alguns dos mais belos exemplares do erotismo contemporâneo, mas pelos vistos enganei-me...

A Guerra das Malvinas

Assinalam-se hoje 25 anos do início da Guerra das Malvinas. Vale a pena recordar que a guerra foi uma tentativa desesperada de Galtieri preservar a ditadura militar argentina, que se saldou em quase 700 mortos do lado sul-americano, quase todos jovens soldados sem experiência, usados como “carne para canhão”.
O resultado é conhecido. A derrota argentina apressou o extertor da ditadura e concedeu enorme popularidade a Margaret Thatcher, então alvo de forte contestação em Inglaterra. Volvidos 25 anos, a discussão em torno das Malvinas ( ou Falkland para os ingleses) não está terminada. Embora por vezes o dossiê pareça estar encerrado, a verdade é que sempre que se aproximam eleições na Argentina, o tema volta à baila, dando a sensação de o arquipélago ser usado como trunfo eleitoral. Aconteceu quando Nestor Kirchner foi eleito presidente, em 2003, (relançou a questão da posse do arquipélago, tendo o assunto chegado a ser discutido nas Nações Unidas) e volta a suceder agora, a poucos meses de novo sufrágio, com o governo argentino a denunciar o acordo de exploração conjunta de petróleo naquele território, alegando que os ingleses não estão a cumprir a sua parte.
Em jeito de balanço, vale a pena lembrar que a guerra desencadeada pelos ditadores argentinos pela posse de umas pequenas ilhas do Atlântico Sul, teve efeitos profundos na Europa, na América Latina e no próprio palco de guerra.
A queda da sanguinolenta ditadura militar argentina teve efeitos positivos na democratização do continente sul-americano e marcou o princípio do afastamento entre Buenos Aires e Washington. Recorde-se que Galtieri contava com o apoio de Reagan, que no entanto lhe roeu a corda à última hora, para apoiar Thatcher. Esta “traição” dos EUA ficou cravada não só nos argentinos, como nos restantes parceiros sul-americanos.
Uma vitória de Galtieri teria traçado um rumo totalmente diverso no futuro da América Latina
A vitória da Inglaterra teve também efeitos no percurso da União Europeia. Thatcher era uma eurocéptica, mas estava a ser contestada internamente. A vitória fortaleceu a sua posição e premitiu-lhe manter o distanciamento face ao mercado único. É verdade que a Europa, com maior ou menor dificuldade, continua a cumprir o seu percurso, mas provavelmente tudo teria sido diferente se Thatcher tivesse sido obrigada a abandonar Downing Street, vergada ao peso de uma derrota.
Quanto às Falkland /Malvinas, território pouco mais do que miserável cuja população partia diariamente para outras paragens, em busca de melhores condições de vida, beneficiaram de um grande desenvolvimento após a guerra, com o turismo e a indústria a terem um papel determinante.

A Ressurreição Azul-Celeste –um exemplo a seguir

Em Dezembro de 2001, estava em Buenos Aires quando eclodiu o “ Corralito”, que atirou para as ruas das principais cidades argentinas milhares de pessoas desesperadas com as restrições aos levantamentos das suas economias. Era o ponto final num ficionista regime financeiro concebido pelo presidente Menem e pelo seu Ministro das Finanças Caballo que, durante mais de uma década, alimentaram a ilusão da paridade do peso em relação ao dólar. A Argentina parecia viver bem, mas na verdade é que os argentinos, ainda a lamber as feridas da ditadura militar, estiveram durante aqueles anos inebriados por um doce despertar para a Liberdade.
Foi por isso, sem muito espanto, que como um balão que estoira sem aviso, o sistema se desmoronou com estrondo. A moeda desvalorizou-se num ápice ( da paridade passou a uma cotação de 4 para 1), muitas famílias ficaram na ruína, a emigração disparou, o desemprego conheceu uma escalada ímpar na história da pátria azul-celeste, as empresas fechavam a um ritmo alucinante e quem pôde colocou o seu dinheiro a bom recato. As convulsões sociais agudizaram-se, multiplicaram-se os saques e assaltos a bancos, supermercados e lojas comerciais. Os governos sucediam-se a um ritmo vertiginoso (alguns duraram apenas escassas horas) e a Argentina parecia ter mergulhado no caos, condenada a um processo de empobrecimento irreversível.
Lembro-me que quando cheguei ao aeroporto de Ezeiza para regressar a Lisboa, tinha os olhos marejados de lágrimas por pensar que não voltaria a calcorrear as ruas de Buenos Aires, a sentir o vento agreste da Patagónia cortar-me a pele, ou a deixar a imaginação voar no prazer contemplativo das paisagens andinas.
Mas as paixões são inexplicáveis e passado pouco mais de um ano estava de regresso. Os amigos incitavam-me a fazê-lo e não resisti. Sabia que alguns tinham sido obrigados a vender as suas casas de sonho em Pinamar para sobreviver, que outros menos abastados viviam com extremas dificuldades, que a vida no país estava difícil, mas algo acicatava a minha curiosidade: quase todos manifestavam um enorme optimismo em relação ao futuro.
E eu olhava para Portugal, incomparavelmente mais rico, com a almofada da União Europeia a suportar os desvarios despesistas, e via um povo deprimido, em estado de orfandade após o êxodo de Guterres e a lamentar-se constantemente da sua triste sina, numa preocupação de “vidinhas sem encosto” e matutava. De que se lamentam os portugueses? De serem os mais pobres entre os ricos?
E voltei. Ao longo destes anos, tenho continuado a alimentar este meu “vício” azul-celeste. Segui por isso, bem de perto, o milagre da ressurreição que o país viveu em pouco mais de cinco anos. Os responsáveis pelo ressurgimento argentino foram Roberto Lavagna ( um homem que apostou manter-se no cargo de Ministro das Finanças apenas durante uma semana) e o Presidente Nestor Kirchner. (Em Outubro concorrerão os dois às eleições presidenciais).
A receita para a cura argentina- assente em juros baixos e moeda fraca- foi prescrita por Lavagna e consistiu em fazer tudo ao contrário do que recomendava o FMI. A verdade é que a dívida ao FMI já foi integralmente paga, as reservas aumentaram, a Argentina regressou aos mercados financeiros internacionais e tem um dos mais fortes crescimentos a nível mundial- cerca de 8%.
Quanto ao Presidente Kirchner , passou de ilustre desconhecido a um índice de popularidade superior a 80 por cento, o que lhe confere forte possibilidade de vir a ser reeleito. O segredo de Kirchner foi saber humanizar a crise. Compreendeu o drama do seu povo, teve sensibilidade para as dificuldades dos mais desfavorecidos, recusou a arrogância, não enfileirou em discursos de esquerda panfletária e devolveu o orgulho aos argentinos. Ou seja: fez tudo ao contrário do que Sócrates lhe teria recomendado! Terá contra si as classes , mais endinheiradas, que viram os seus privilégios diminuir. É natural... mas isso não o deve incomodar muito, pois sabe que algum preço teria de pagar para ressuscitar a Argentina. Escolheu “o elo mais fraco” e só lhe fica bem. Não teve problemas em assumir-se de uma esquerda moderada, ganhou o respeito do seu povo e conquistou simpatias em toda a América Latina, sem recorrer ao populismo de Hugo Chavez.
Resultado:os argentinos são hoje um dos povos mais optimistas do mundo. A verdade é que, mesmo em plena crise, nunca deixaram de o ser!

Cromo II


Um cromo

[...] O "Canudo" e o Homem
A classe bem-pensante e bem-doutorada do país anda a gozar à fartazana com o "canudo" do Engenheiro (ou do licenciado em Engenharia) José Sócrates concluido numa "universidade-zeca privada".Mas o interessante é que Sócrates nunca precisou dele para se tornar Primeiro Ministro e num político teimoso (sim) mas sagaz e inteligente. Já Bush filho precisou do canudo de Yale, para se tornar num dos piores e mais incompetentes Presidentes dos Estados Unidos da América.[...]

Outra leitura possível é que apesar de tudo nos Estados Unidos os candidatos a presidente têm que ter uma certa educação para se poderem alcondorar a tais voos. No caso português isso não é necessário, qualquer gato-sapato pode ser primeiro-ministro, desde que seja vivaço, autoritareto e bem-falante. O que diz e se arroga pouco importa que seja verdade ou trapaça, o que interessa é que seja convincente. Mas como dizia António Barreto somos um pobre país de labregos. Não nos governamos, nem nos deixamos governar. Bem vistas as coisas o nosso azar foi a restauração. Se continuássemos espanhóis alguém trataria de nós. Como nos armámos em expertos ficámos com o refugo e demos-lhe a cadeira do poder.

Pinto Coelho- o "pintas" do Marquês

Concordo globalmente com a análise do Arnaldo Gonçalves ( ver post Somos todos invejosos?") Não resisto, porém, a deitar mais uma “acha para fogueira”.
Há um cidadão português de nome Pinto Coelho, líder de um grupelho de extrema –direita, que na semana passada decidiu gastar parte das probendas que os seus correligionários lhe ofertaram, na colocação de um outdoor no Marquês de Pombal, aspergindo aos passantes um grito de revolta xenófobo contra a presença de imigrantes em Portugal.
O desatino deu os resultados que ele esperava. A comunicação social eriçou-se, o homem desdobrou-se em entrevistas e teve direito aos minutos de fama que a estatística confere a cada habitante do planeta. O nome do partido que lidera foi absorvido por muita gente que dele nunca ouvira falar e o homem deu-se por satisfeito, pois atingira o seu objectivo.
O que encarniça qualquer cidadão, com um mínimo de cultura democrática, é constatar que o homúnculo se atira aos imigrantes, cuspindo na mão que lhe deu de comer e lhe concedeu direito à existência engravatada. É que o homem, meus caros, é filho de emigrantes, e também ele foi emigrante. Esqueceu-se também este bastardo da Democracia, que Portugal é um país de emigrantes e que tem uma tradição multicultural que só nos enriquece enquanto País e Nação.
Com a desvergonha dos parasitas que só têm existência porque vivem num regime democrático, Pinto Coelho dirige um partidozeco com a forte implantação de 0,02 por cento, o que em termos de votos deve representar menos do que os 50 mil que escolheram Salazar como o “maior português de sempre”.
Mas o que mais me encanita é que todos estamos a contribuir, com os nossos impostos, para que o Coelho possa sair da cartola, armado em líder partidário de uns quantos Pintos ( ou serão “pintas”?). Oxalá que a gripe das aves não se esqueça dele...Nisso não serei invejososo.

Cursos, recursos e concursos

O “Expresso” recupera esta semana o tema da licenciatura de Sócrates, puxando-o para manchete. Ao longo de duas páginas, o semanário que se especializou em ofertas de DVD ( iniciativa que, a par do mês do Ambiente, acabou por me reconciliar com o semanário depois de dois anos de abstinência), divulga novos dados e coloca um conjunto de questões pertinentes.
Devo confessar que me estou marimbando em saber se Sócrates é engenheiro ou bacharel. Em primeiro lugar, porque tenho a certeza que nunca se saberá a verdade sobre o assunto. Os contornos nebulosos de toda esta história dificilmente se dissiparão, até porque o período conturbado que a Independente vive, nada ajudará a clarificar. A suspeita permanecerá para sempre, por muito que o PM se esforce em provar a credibilidade de uma licenciatura concluída com quatro cadeiras ministradas pelo mesmo professor. Faz-me lembrar os tempos de professor único da escola primária, mas enfim...
A segunda razão, é porque não acredito que Sócrates alguma vez vá exercer a sua profissão. A única obra de engenharia que porventura terá feito na sua vida terá sido a construção da sua casa de sonho com peças da Lego. Mas isso também eu fiz e não sou engenheiro, portanto...
O que realmente me preocupa em toda esta história, é o facto de abalar, uma vez mais, a credibilidade do ensino superior privado. E isso não é justo, pois há universidades privadas de grande qualidade que não devem ser confundidas com “botecos de amigalhaços” que um dia se juntam e decidem fazer uma Universidade. Poderia ter-lhes dado para abrir um restaurante, uma discoteca ou abrir um centro comercial, mas não ... foram pela via mais fácil e lucrativa.
É urgente restituir a credibilidade ao ensino superior, acabando com os “cursos bolo-rei”. Conheço situações que são um atentado à inteligência de qualquer mortal. É o caso, por exemplo, de uma jovem ( hoje uma respeitável senhora com cargo jurídico de relevo numa importante autarquia ) que andou cinco anos na Faculdade de Direito, sem conseguir concluir o segundo ano, acabando por se inscrever numa universidade privada. Em menos de dois anos fez 13 cadeiras e concluiu o curso. Milagres não existem, mas licenciaturas “adhoc” parecem ser uma matéria recorrente em Portugal.
Estas situações só me preocupam, porque ao contrário do que acontece com Sócrates e com a jovem senhora que referi ( que nunca exercerão a sua profissão, porque escolheram a política como forma de vida e a sua verdadeira licenciatura foi-lhes conferida pela adesão aos partidos a que pertencem), muitos destes licenciados “ fast food” exercem a sua profissão e, um destes dias, posso ter que recorrer aos seus serviços.
Por isso, quando precisar de um médico, um engenheiro, um advogado, ou um arquitecto, o primeiro pedido que lhes vou fazer é este: “mostre-me lá o seu diploma de curso, para eu saber onde se licenciou...”
É que pelo ritmo que as coisas levam qualquer dia aparece aí um concurso de televisão a oferecer diplomas, podem crer!

domingo, 1 de abril de 2007

Um Portugal que é preciso relembrar aos mais esquecidos

[...] E Portugal era grande, assente sobre um povo escravo e analfabeto, trémulo e rapado. Sem ofensa. Um Portugal construído sobre pilares de medo em que se temia tudo, o padre que arrecadava confissões e adultérios, o marido que batia na mulher, o vizinho do lado que era pide, o colega de escola que batia nos outros e carteava um trunfo de pai-ministro, o polícia que usava a farda para comprar fiado. E como todos eram muito pobres, comprava-se açúcar amarelo a prestações, e Omo, e marmelada, e iogurte, e bolachas torradas, luxos. A taberna não fiava. [...]

Clara Ferreira Alves no Expresso

Somos invejosos?

Dizia o Carlos Oliveira:
[...] Não há volta a dar-lhe. Somos invejosos do sucesso alheio e quando vemos alguém destacar-se, logo tratamos de urdir uma teia de boatos e insinuações pérfidas à sua volta. Num país assim, é difícil manter o optimismo colectivo durante muito tempo.

Provavelmente essa dimensão rasteira faz parte da nossa identidade imemorial. Acho que temos voltar ao Eduardo Lourenço, o do Labirinto da Saudade não o de agora que me parece repassado e vulgar para perceber essa dimensão de povo atrazado. Mas a inveja dos outros [os que têm sucesso e a que lhes é inventado o sucesso] é também reflexo da falta de sentido de responsabilidade, daquele doce sabor de gaiatismo que marca o ser português. Quando o tal slogan rezava "os outros que paguem a crise" não estava só a referir-se aos "ricos" mas mais genericamente aos outros i.e,, àqueles que não eu. Nesse chapéu cabem as próximas gerações, o vizinho do lado. Essa "irresponsabilidade" rasteira que mobiliza o português a torpedear o fisco, a aldrabar o polícia com a autoria da manobra perigosa, ou a ser fresco com o empregado do restaurante é marca - defendo eu há muito - da nossa costela árabe, malgrebe. Mas aí como sabemos não há luxos democráticos; aí vingam os regimes autoritários e paternalísticos de que os portugueses andam famintos [sem o concederem]. Por muito que custe aos homens de esquerda ou à pequena minoria melhor educada. All of us among them.

Lido noutro lado

[...] O problema não está no Estado assistencial. Não está no Subsídio de Reintegração ou no Subsídio de Desemprego, que são mais do que justos. Também não está no que o Estado cobra de impostos para poder pagar isto, mais as pensões de reforma, a saúde, o ensino, os centros de dia e as creches públicas e tudo o resto. O problema está na falta de consciencialização de muitos de que o Estado só deve acorrer a quem precisa e enquanto precisa. E de que não é possível, nem seria justo, subir o IRS para 50 ou 60% para que a maioria dos portugueses vivesse bem à conta da assistência pública. O contrato social obriga a todos: obriga a que quem pode e ganha bem pague os impostos mais altos. Mas também obriga a quem não pode e recebe tudo fazer para deixar de precisar de ajuda. Se eu fugir ao Fisco, estarei a roubar um trabalhador que teve a infelicidade de ir para o desemprego e que precisa de ser ajudado. Mas se alguém recebe o Subsídio de Desemprego e por fora trabalha sem passar recibo para não perder o subsídio (e há tantos assim!), é ele que me está a roubar a mim. Talvez fosse útil explicar isto de vez em quando. [Mas será que alguém entendia...]

Miguel Sousa Tavares, no Expresso.