segunda-feira, 2 de abril de 2007

A Ressurreição Azul-Celeste –um exemplo a seguir

Em Dezembro de 2001, estava em Buenos Aires quando eclodiu o “ Corralito”, que atirou para as ruas das principais cidades argentinas milhares de pessoas desesperadas com as restrições aos levantamentos das suas economias. Era o ponto final num ficionista regime financeiro concebido pelo presidente Menem e pelo seu Ministro das Finanças Caballo que, durante mais de uma década, alimentaram a ilusão da paridade do peso em relação ao dólar. A Argentina parecia viver bem, mas na verdade é que os argentinos, ainda a lamber as feridas da ditadura militar, estiveram durante aqueles anos inebriados por um doce despertar para a Liberdade.
Foi por isso, sem muito espanto, que como um balão que estoira sem aviso, o sistema se desmoronou com estrondo. A moeda desvalorizou-se num ápice ( da paridade passou a uma cotação de 4 para 1), muitas famílias ficaram na ruína, a emigração disparou, o desemprego conheceu uma escalada ímpar na história da pátria azul-celeste, as empresas fechavam a um ritmo alucinante e quem pôde colocou o seu dinheiro a bom recato. As convulsões sociais agudizaram-se, multiplicaram-se os saques e assaltos a bancos, supermercados e lojas comerciais. Os governos sucediam-se a um ritmo vertiginoso (alguns duraram apenas escassas horas) e a Argentina parecia ter mergulhado no caos, condenada a um processo de empobrecimento irreversível.
Lembro-me que quando cheguei ao aeroporto de Ezeiza para regressar a Lisboa, tinha os olhos marejados de lágrimas por pensar que não voltaria a calcorrear as ruas de Buenos Aires, a sentir o vento agreste da Patagónia cortar-me a pele, ou a deixar a imaginação voar no prazer contemplativo das paisagens andinas.
Mas as paixões são inexplicáveis e passado pouco mais de um ano estava de regresso. Os amigos incitavam-me a fazê-lo e não resisti. Sabia que alguns tinham sido obrigados a vender as suas casas de sonho em Pinamar para sobreviver, que outros menos abastados viviam com extremas dificuldades, que a vida no país estava difícil, mas algo acicatava a minha curiosidade: quase todos manifestavam um enorme optimismo em relação ao futuro.
E eu olhava para Portugal, incomparavelmente mais rico, com a almofada da União Europeia a suportar os desvarios despesistas, e via um povo deprimido, em estado de orfandade após o êxodo de Guterres e a lamentar-se constantemente da sua triste sina, numa preocupação de “vidinhas sem encosto” e matutava. De que se lamentam os portugueses? De serem os mais pobres entre os ricos?
E voltei. Ao longo destes anos, tenho continuado a alimentar este meu “vício” azul-celeste. Segui por isso, bem de perto, o milagre da ressurreição que o país viveu em pouco mais de cinco anos. Os responsáveis pelo ressurgimento argentino foram Roberto Lavagna ( um homem que apostou manter-se no cargo de Ministro das Finanças apenas durante uma semana) e o Presidente Nestor Kirchner. (Em Outubro concorrerão os dois às eleições presidenciais).
A receita para a cura argentina- assente em juros baixos e moeda fraca- foi prescrita por Lavagna e consistiu em fazer tudo ao contrário do que recomendava o FMI. A verdade é que a dívida ao FMI já foi integralmente paga, as reservas aumentaram, a Argentina regressou aos mercados financeiros internacionais e tem um dos mais fortes crescimentos a nível mundial- cerca de 8%.
Quanto ao Presidente Kirchner , passou de ilustre desconhecido a um índice de popularidade superior a 80 por cento, o que lhe confere forte possibilidade de vir a ser reeleito. O segredo de Kirchner foi saber humanizar a crise. Compreendeu o drama do seu povo, teve sensibilidade para as dificuldades dos mais desfavorecidos, recusou a arrogância, não enfileirou em discursos de esquerda panfletária e devolveu o orgulho aos argentinos. Ou seja: fez tudo ao contrário do que Sócrates lhe teria recomendado! Terá contra si as classes , mais endinheiradas, que viram os seus privilégios diminuir. É natural... mas isso não o deve incomodar muito, pois sabe que algum preço teria de pagar para ressuscitar a Argentina. Escolheu “o elo mais fraco” e só lhe fica bem. Não teve problemas em assumir-se de uma esquerda moderada, ganhou o respeito do seu povo e conquistou simpatias em toda a América Latina, sem recorrer ao populismo de Hugo Chavez.
Resultado:os argentinos são hoje um dos povos mais optimistas do mundo. A verdade é que, mesmo em plena crise, nunca deixaram de o ser!