quinta-feira, 5 de abril de 2007

Um país a três tempos [II]


[...] Segundo rezam os jornais o primeiro-ministro José Sócrates terá obtido, de forma indevida, uma licenciatura em engenharia civil pela Universidade Independente em 1996, depois de ter tirado um bacharelato no Instituto Politécnico de Coimbra. Sucede que a licenciatura da UI foi criada por diploma do governo socialista de Guterres de Maio de 1995, com efeitos retroagidos ao ano lectivo 1994/5, o que aponta que José Sócrates teria de ter frequentado pelo menos dois anos complementares para obter o grau de licenciado. O que parece manifestamente irrealizável num só ano lectivo. Tendo o primeiro grupo de licenciados saído da UI em 1999 questiona-se a plausibilidade do grau do primeiro-ministro adquirido em 1996 e o aprumo ético do seu comportamento.

A história é rocambolesca, mas mostra, de forma exemplar, duas coisas: a promiscuidade que vai entre o poder executivo e os poderes académico, económico ou judicial, poderes que a bem da normalidade democrática deveriam manter-se separados; a importância de uma imprensa livre, independente e crítica para a saúde mental do nosso país, malgré tout.

Espera-se que a questão seja deslindada pelo Ministério de Educação, uma vez que não parece sério que se mantenha em funções um primeiro-ministro que obteve, de forma imprópria, as respectivas habilitações e que tem feito da revolução curricular [nas escolas] e da inovação [empresarial] as causas do seu governo.

Há neste negócio da política uma regra basilar: os dardos que se arremessam contra um adversário político retornam mais tarde com acrescida violência e estrondo. Por isso é preciso tino na língua e cuidado nas acções.

Durante os dois anos que leva de mandato José Sócrates tem procurado convencer os portugueses de uma coisa difícil. É necessário fazer uma revolução educacional no país, para o projectar aos níveis europeus e, por essa via, reforçar a sua competitividade externa. E para isso é forçoso ajustar a estrutura curricular às necessidades da indústria e das empresas.
À primeira vista estas ideias são sérias, pacíficas e consensuais. O atraso do país em matéria de habilitações académicas é por demais evidente e reflecte-se na nossa queda nas estatísticas da União Europeia. Mas o primeiro-ministro tem-nos procurado convencer que o problema é também do currículo escolar, i.e., abundam cursos de generalidades - diz-se de “humanidades” - que nada acrescentam ao país e que levam os jovens a que por eles optam a tornarem-se candidatos crónicos ao desemprego.

Tendo, talvez, uma parcela de razão o primeiro-ministro fantasia sobre o sucesso da sua política. É que mesmo que o ensino superior acolhesse a revolução que anuncia dificilmente esta nova onda de “pós-licenciados” resolveria num ápice os problemas do país.

Por duas razões elementares. É que não havendo subida das empresas na pirâmide do processo tecnológico dificilmente a melhor qualificação significa valor-acrescentado. Ou seja, o Engº Belmiro, o Dr. Carrapatoso, o Dr. Mexia, o Prof. Nogueira Leite e os tipos do “Compromisso Portugal” no fundo querem ter como vendedores, agentes comerciais ou assistentes, jovens munidos de um doutoramento a quem possam continuar a pagar salários de balconista do shopping. Fica bem, cai bem.

Por outro lado, ao fazer deslizar o sistema educativo para um arrazoado de especializações sem ligação aparente, a reforma educacional transforma esses jovens em analfabetos funcionais. Só sabem da sua especialidade, são absolutamente ignorantes em termos de cultura geral, de história, de geografia. Como nunca o foram as gerações precedentes.

Por isso a retórica do Primeiro-Ministro [como a sua graduação] tornou-se um exercício de mau-gosto e só é pena que a oposição não cumpra a sua função constitucional. [...]