Ontem escrevi
aqui sobre o rapto e sequestro de
Natascha Kampusch, vendo a história pelo prisma da jovem austríaca.
No entanto todas as histórias têm uma face visível e uma parte oculta. Chamemos a esta face oculta, “
lado B”. Nos discos de vinil, a
face B era quase sempre a mais fraca. Em alguns casos, era apenas uma versão diferente da música que se ouvia na
face A e, em casos raros, excepcionais, aconteceu que a face B acabou por se tornar mais conhecida e popular do que a face A
No jornalismo devemos aplicar o mesmo princípio quando nos deparamos com uma história. Normalmente, a versão que é publicada é o
lado A Mas há sempre um
lado B, aquele que depois de analisada a história nos parece menos verosímil e vai parar ao lixo ou fica retido nos arquivos da memória. Aplicando este princípio ao cativeiro de
Natascha Kampusch, o lado A é o mais simpático ( a história vista pelo lado da vítima) e o lado B é a história vista na perspectiva do mau da fita: o raptor .
Para analisar o lado B desta história impõe-se que comecemos por perguntar:
E se Natascha, afinal, não fugiu do cativeiro?
No lado B desta história , então terá sido libertada. Por quem? Pelo próprio raptor, como é óbvio. E o que levaria
Wolfgang Priklopil, a libertar a jovem ao fim de tantos anos? Esta pergunta pode ter várias respostas.
Poderá não ter aguentado por mais tempo a pressão que ao longo dos anos se foi avolumando. Terá temido não poder manter muito mais tempo
Natascha em cativeiro. A criança que raptara tornara-se adolescente, crescera cultural e intelectualmente, em breve seria mulher e começara já a esgrimir argumentos que o levaram a desenvolver um complexo de culpa que não se sentia capaz de suportar. Temeu que
Natascha começasse a arquitectar estratégias de fuga, e que um dia conseguisse concretizá-la. Isso significaria que tinha sido derrotado pela sua vítima- outra ideia que dificilmente poderia suportar e inevitavelmente o conduziria ao suicídio
Por isso decidiu que o melhor seria libertá-la. Seria- no seu ponto de vista- a única maneira de sair com alguma dignidade de toda esta história e, de certo modo, manter
Natascha refém de uma relação depois da sua morte. Consegui-lo seria, pelo menos, uma meia vitória...
Mas outra questão se coloca. Terá
Wolfgang Priklopil dito a
Natascha Kampusch que a ia libertar, tendo previamente conversado com ela e explicado os motivos que o levaram a raptá-la e mantê-la sob sequestro, cativando a sua simpatia e aproveitando os efeitos positivos ( para ele) do desenvolvimento, em Natascha, do
“síndrome de Estocolmo”? Ou terá simplesmente simulado uma distracção que permitisse a fuga, dando à jovem a ideia de que fora ela a libertar-se?
Só a primeira hipótese justifica o conformismo de
Natascha,os sentimentos de “pena” em relação ao seu sequestrador, a ida ao seu funeral, a visita à casa e a recusa em vendê-la. É o “
síndrome de Estocolmo” a lembrar-lhe que a sua liberdade só foi possível, em troca da morte do seu algoz .
A fuga – sem consentimento- não encaixa bem no
lado B desta história.