quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Natascha Kampusch: Liberdade condicionada?


Faz hoje um ano que Natascha Kampusch fugiu ao raptor que a manteve sequestrada durante quase 9 anos.
Ontem, a RTP exibiu um documentário da ORF ( televisão austríaca) com a jovem, entre Viena e uma viagem a Barcelona .
Ao longo do programa foi respondendo a perguntas incómodas, recordando os tempos de cativeiro e abordando a sua nova vida em liberdade.
Achei notável a maturidade revelada por Natascha, pouco comum em jovens da sua idade (18 anos).
Por vezes deu a impressão que não se quer libertar das recordações do tempo em que esteve sequestrada ( explica, por exemplo, com admirável simplicidade, que não se desfez das roupas que usava em casa do raptor, porque ainda estavam em bom estado e não havia razão para as deitar fora...).
O documentário permite perceber que Natascha Kampusch não sente revolta e que colheu – na medida do possível- o que de bom viveu naquele período. Aceita o passado sem qualquer sentimento de vingança , como se o destino lhe tivesse reservado aquela provação na etapa inicial da sua vida e ela aceitasse o desafio com naturalidade. Quanto ao raptor, uma frase várias vezes repetida “ cada vez sinto mais pena dele...”
O “síndrome de Estocolmo” talvez justifique esta frase a o aparente conformismo. Talvez explique as razões que a levaram a ir ao funeral do raptor, a visitar a casa onde esteve sequestrada e a não querer desfazer-se dela ( "porque faz parte de um período da minha vida"). Mas não explica tudo. Há ali, obviamente, um grande trabalho do neurologista que a acompanha. Mas há também uma coisa terrível... a falta de referências afectivas que evidencia.
Seria de esperar que uma jovem raptada aos 8 anos, depois de viver quase 10 anos de sequestro em condições sórdidas, se aconchegasse aos pais no momento em que recupera a liberdade.
Como é sabido isso não aconteceu, Natascha vive sozinha num apartamento em Viena e parece manter com os pais uma relação distanciada, de equilíbrio precário, que se pode romper a qualquer momento – como ela própria reconheceu - se os pais não tiverem juízo.
Deve ser terrível constatar que os pais – cada um à sua maneira- estão a tirar dividendos do seu sofrimento. A mãe escreveu um livro onde narra a sua vida com o ex-marido que acusa de ser alcoólatra e viciado no jogo – relatando episódios que Natascha afirmou diante das câmaras preferir que não tivessem sido divulgados- e anda a correr as capitais europeias fazendo a sua promoção.
O pai – a troco de um punhado de euros – telefona aos jornalistas para tirarem fotografias cada vez que a filha o vai visitar.
É provável que Natascha sinta que a sua relação com o raptor não era muito diferente da que mantém com os próprios pais. Daí o seu conformismo.
Na medida do possível, procura levar uma vida normal para uma jovem da sua idade, não se deixando impressionar pela conta bancária de um milhão de dólares e procurando defender a sua privacidade. Não se vislumbra no seu discurso qualquer apetência consumista . Bem pelo contrário. Enquanto recupera o atraso nos estudos para poder entrar na Universidade, mantém o propósito de utilizar o dinheiro para criar uma fundação de ajuda às mulheres vítimas de violência.
Depois de ver a reportagem, uma pergunta não me sai da cabeça: como será Natascha Kampusch daqui a 10 ou 20 anos? Continuará sentir pena de Wolfgang Priklopil, ou será engolida pela voragem de uma sociedade cada vez mais mediática que sobrevoa como um abutre as suas presas?