segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Retórica e demagogia

Lido no Diário de Notícias:
O doutoramento honoris causa de Cavaco Silva pela Universidade de Goa ficou ontem marcado por protestos de estudantes contra a atribuição do título ao Chefe do Estado português. Reunidos à entrada da instituição, exibindo cartazes onde se lia "Abaixo o imperialismo" ou "Um dia negro na história da Universidade de Goa", cerca de duas dezenas de alunos manifestaram-se contra
a concessão daquele grau a um estrangeiro - e a um português em específico - quando nenhum goês ou indiano o recebeu ainda.
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A tontaria não escolhe geografia, nem cor da pele, nem dialecto. Está distribuída um pouco por todo o planeta, a Ocidente e Oriente, a Norte e a Sul. Na sua enorme tolerância Deus não quis que uns se ficassem a rir uns dos outros. O referido "dia negro na história" é uma daquelas atoardas imbecis em que alguma esquerda é useira e vezeira: tomar a parte pelo todo, retirar os factos do contexto. A citação aos estudantes em protesto do apressado jornalista [ou da agência noticiosa] deveria ser mais criteriosa, juntando por exemplo a menção à organização político-partidária a que os estudantes pertenciam. No caso, o partido comunista indiano.

Não deixa de ser curioso que um país [a Índia] que é uma constelação de raças, credos, linguas e dialectos onde se combina de forma, tão notável e sedutora, o encontro de culturas entre o Oriente e o Ocidente, entre religiões como o Islão, o Induismo, o Cristianismo e outros ainda haja gente tão tacanha que persista nas velhas atoardas anti-colonialistas, na verborreia terceiro-mundista, a culpar alguém que deixou de ter responsabilidades sobre o pequenissimo enclave há 40
anos pelas culpas do presente e pelos erros dos actuais governantes.
É triste mas não deslustra o povo indiano e a Índia no seu conjunto. Portugal entretanto tornou-se uma democracia mas os estudantes devem ignorá-lo.

Dá vontade de perguntar se não fosse esse legado português, os templos e as fachadas e os velhos que ainda soletram o português, GOA não seria mais que um ponto desconhecido, perdido no mapa do subcontinente indiano. É evidente que sim.

Talvez fosse útil perguntar aos manifestantes anti-imperalistas se condenam o presidente português por ser estrangeiro e receber o doutoramento honoris causa [e os indianos não] porque é que um país com tão extenso rol de excelsos escritores e intelectuais que têm recebido o aplauso de todo o mundo [V.S. Naipul, Amartya Sen, Salman Rushdie, Jhumpa Lahiri, Arundhati Roy, Vikram Seth] ninguém propõs, até agora, qualquer desses intelectuais para o reconhecimento devido pelo doutoramento honoris causa do seu país.