sexta-feira, 20 de julho de 2007

A União Ibérica segundo Saramago

O coro de protestos que se ergueu em reacção à entrevista de Saramago ao DN, no último domingo, foi manifestamente intempestivo e desproporcionado. Mais parecia um clamor guerreiro de combatentes de Aljubarrota irados com a “traição” de um novo Miguel de Vasconcelos, do que uma reacção de vozes habitualmente sábias e ponderadas. Ou leram apressadamente a entrevista, ou reagiram a quente a uma pergunta da jornalista, sem cuidar de sopesar as palavras.
Quando Saramago afirma que “Portugal acabará por integrar-se na Espanha”, não está a proferir nenhuma heresia. Não está a falar de uma união política, mas de algo que já existe e que salta à vista de todos: a união económica.
Quem percorre o país apercebe-se, especialmente nas zonas fronteiriças, que a influência espanhola é cada vez mais marcante em território português. São também cada vez em maior número os portugueses que vão fazer compras a Espanha e aumenta diariamente o número dos portugueses que lá trabalham e estudam. O espanhol é já a segunda língua mais aprendida pelos jovens portugueses, apenas ultrapassada pelo inglês. Os supermercados portugueses estão repletos de produtos espanhóis, há cada vez mais espanhóis a investirem nas zonas de lazer em Portugal e a tomarem conta de indústrias e serviços. O MIBEL ( Mercado Ibérico de Electricidade) é apenas um primeiro passo num conjunto de mercados ibéricos que irão florescer, fruto das exigências da globalização.
Que se acalmem os espíritos mais exaltados, como os de Manuel Alegre ou Vasco da Graça Moura. Não chegou ainda a hora de voltar a terçar armas contra os invasores espanhóis, nem Filipe de Bourbon e Letícia almejam implantar a monarquia em Portugal.
Num mundo globalizado, o objectivo é a união económica entre os Estados e não a sua união política. E a primeira- salvo os que andam distraídos- sabemos que já existe, embora não se possam ainda contabilizar os danos ou os benefícios.
Que se calem as vozes que acusam Saramago de “traidor” ou “infiel”. Embainhem de novo as espadas linguarudas e, ponderada e ordeiramente, remetam-se ao silêncio.
Saramago pode ter cometido um erro de casting, não pode é ser acusado por algo que só por falta de clarividência lhe é atribuído. Poderá estar “ressabiado” com Portugal, (o facto de se ter recusado a falar em português durante uma conferência que fez na Galiza prova-o à saciedade...) mas nas suas palavras leio apenas uma “provocaçãozinha” e acredito que neste momento se esteja a rir das reacções intempestivas que provocou nos saudosos de Olivença, sempre ávidos de desembainhar a espada contra Castela.