quarta-feira, 11 de julho de 2007

Grilo Falante


" Todo dia ele faz tudo sempre igual,
Me sacode à uma hora da manhã " .... ( Chico Buarque)



E como qualquer ritual, tratei de me acostumar com o estrilar de toda noite.
Mas confesso, que esse privilégio de dispor ao meu bel prazer, bem ali embaixo da minha janela, esse requíscio de natureza em plena selva de pedra, me proporciona verdadeiros momentos de contemplação.

Eu, meus grilos e os grilos... Até que num instante ficamos só eu e os grilos, os falantes.

Me ponho a pensar então neste inseto, de hábitos noturnos, tão carismático, sempre cantando para eu dormir.
E agora entendo bem a fissura que essas criaturinhas verdes exercem nos chineses.
Ricos em cálcio e com apenas 121 calorias, fazem sucesso em algumas refeições- ok, ok, eu confesso, trata-se de uma especiaria na categoria "atraindo turistas".


Além da esfera gastronômica, os grilos tem seu espaço cativo como mascotinhos de estimação.
Facilmente encontrados nas esquinas de Beijing, uma porção deles em cápsulas de palha.


São enclausurados também em gaiolas- diga-se de passagem, umas mais bonitas que as outras, para todos os gostos, de madeira, com detalhe, sem detalhe, de mármore, de porcelana , de marfim ...- e lá permanecem cantando seu canto.
São companhia frequente de alguns taxistas, já trombei com um senhor mais apegado, que levava seu grilo devidamente engaiolado no metrô.

Na ocasião, demorei para descobrir que não se tratava de um ring tone de celular, de um relógio mais modernoso ou qualquer parafernália eletrônica chinesa.
E ri sozinha, imagiando o tumulto que esse senhorzinho matuto poderia causar nos paranóicos aeroportos de Londres ou EUA, com seu singelo grilinho.


Os chineses também nutrem um hábito que não me atrai em nada, promovem as lutas de grilos.


Preparam o ringue, os adversários, a torcida, as apostas e na arena depois de algumas batalhas restam os restos dos grilos menos anabolizados, só os restos.


A prática é milenar, remete ao tempo imperial. Tão popular, ganhou até contos específicos, também milenares, para transmitir conceitos morais para a população.

Os contos chineses são geniais, pelo multiculturalismo, pela capacidade da atemporalidade, pelo valor semântico social, e pelo valor da obra ( esta última definição soa a la jurado de escola carnavalesca, não era a intenção!).

Para além disso, podem ser analisados pela óptica Confucionista, onde o Estado chinês concebe a natureza dos relacionamentos num equilíbrio harmonioso de obrigações. Ou através da visão Taoísta, das críticas socias que representam as ordens subordinadas e historicamente opostas aos Confucionistas.

Um espetáculo teórico que define muitíssimo bem a prática, mesmo tratando-se desta sociedade alucinantemente metamorfótica de caracteríticas imutáveis.


Os conceitos hierárquicos, as relações dos indivíduos e seus comportamentos e sentimentos, tem origem na formação da sociedade chinesa, que permanece presente até hoje.


Este conjunto de rituais hierárquicos transmitidos a partir da influência do Imperador deu origem direta a burocracia imperial, e indireta a formação dos clãs latifundiários. Onde os cargos oficiais ( objetivo de todo filho do clã- ou mandarinato) eram obtidos depois de uma série de testes qualificatórios baseados nos livros sagrados da doutrina de Confúcio. Que proporcionavam determinadas imunidades, privilégios e exceções a cada nível conquistado, tendo o propósito de assegurar o justo funcionamento do sistema, supostamente delegado à responsabilidade dos bem treinados e elevados, dotados de senso de governabilidade e justiça.


Balela!! Na prática o sistema se auto-sabotou, dando lugar as práticas de corrpução. ( Que o governo ainda hoje luta para sua eliminação).


Em termos gerais, a sociedade ainda exerce sobre o núcleo familiar tanto uma função de unidade política como social.

Por estas definições, reflexões sobre a sociedade chinesa tornam-se mais próximas, ao menos sob a perspectiva ocidental, ou ao menos para mim, que adoro todos esses grilos.


*Ps: Foto no topo do blog by Guto Castro.