segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Duvido...

...do imediatismo das razões que levam parte significativa dos nossos intelectuais a causticar a recente paixão da opinião pública o caso da menina da Sertã que se encontra à guarda de Luis Gomes e Adelina Lagarto. Cito Pacheco Pereira mas também Paulo Gorjão [entre outros].
Acabo de receber, entretanto, o n.o2 do boletim anual da IPSA [International Political Science Association], associação a que pertenço, onde se inclui um excelente artigo do politólogo argentino Guillermo O'Donnell sobre "a crise em democracia e das democracias". A certo ponto ele diz:
(...) furthermore, it may be, and I will argue this, that democracy itself is intrinsically characterized by a perpetual sense of crisis or better, by perpetual tensions that are both worrisome and a testimony to its best qualities and indeed strongest capacity(...) My point is that democracy always projects hope and dissatisfaction. Because is founded on various dimension of citizenship and in the intrinsic dignity of human beings that these dimensions bring about, democracy always remains an open horizon.

Teimo em crer que a reacção apaixonada da opinião pública perante o inusitado da decisão do tribunal de Torres Novas [por um alegado sequestro da criança] tem razões fundas e merece uma atenção particular e cuidada daqueles a quem cabe pensar e reflectir. Na sua cáustica zurzidela à [cumplicidade da] imprensa Pacheco Pereira revela algo que assume dimensão obsessiva nos seus últimos escritos: a despersonalização, ou talvez mesmo, a desumanização da intervenção cívica na esfera pública. Quase dá vontade de perguntar - se o debate público tem de ser diminuído de empatia e paixão para ser ajustado ao que o comentador considera [o] correcto que tipo de agentes o animarão no futuro? Autómatos? Figuras seráficas?
Porque é que o cidadão comum identifica a crise da Justiça com a acção dos magistrados? Nào será, possivelmente, porque o juíz se isolou do casulo social e por força de se querer independente e ininfluenciável se transmutou em calculista e mecânico na valoração da lei?