domingo, 28 de janeiro de 2007

A retórica e as várias concepções de Bem

Lido no Público
"Parece-me exorbitante ameaçar os católicos que votem "sim" com a excomunhão. Comparar o aborto ao terrorismo é fazer das mulheres aliadas da Al-Qaeda. A retórica deve ter limites."
Frei Bento Domingues, PÚBLICO, 28-01-2007

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Sincero e avisado o alerta de Frei Bento Domingues, uma das vozes mais lúcidas da Igreja portuguesa. O que nada precisamos é um regresso em força à retórica altaneira e agressiva da velha direita portuguesa. A Igreja pode e deve travar o combate moral pelas suas convicções e pelos valores que instila na comunidade dos crentes mas não deve incendiar paixões. A questão do referendo ao aborto [vulgo interrupção voluntária da gravidez] é uma causa [histórica] da esquerda, laica, republicana e socialista. É, provavelmente, a sua última grande causa. Todas as outras [do desenvolvimento, do meio-ambiente, da luta contra as desigualdades] partilha com o centro-direita.

Neste sentido esta luta tem um sentido de "ajuste de contas" com a derrapagem dos "valores de Abril". Por ela se empenha o Primeiro Ministro dando o flanco à esquerda do seu partido e reduzindo o espaço de manobra do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista.

Duvido [ainda hoje] da sua oportunidade e da sua prioridade em termos dos projectos que devem mobilizar os portugueses. Não acho que seja uma questão inelutável para ser resolvida. É, seguramente, um problema de saúde pública e de equilíbrio.

Não acho que seja uma questão estrita do direito das mulheres. O problema não se pode afunilar dessa forma. Até porque quando acentuamos a tónica dos direeeitos sobre a da responsabilidade social normalmente ficamos mais diminuídos, mais pobres, socialmente.

Esse discurso nada acrescenta às dificuldades do país. Como esta alegação da identidade entre a defesa do aborto e do terrorismo é um absoluto disparate. Fica mal à Igreja recorrer a este tom e tipo de argumentos. Incumbe-lhe ser moderada, cordata, inteligente na defesa da sua concepção de Bem. Mas como ensina o liberalismo a vantagem da sociedade plural e democrática é coexistirem - lado a lado - várias concepções de bem. Sem que se atropelem. Isso não o pode esquecer.
Porque voltando à Al Qaeda a superioridade moral da [nossa] sociedade à teocracia xiita é não termos o estado, o governo ou o supremo lider a impôr[nos] uma [única] concepção de Bem.