Como votarão os portugueses?
É habitual a seguir a cada eleição que, por uma razão ou outra, se considera decisiva afirmar-se que nada será como dantes. Normalmente essa conclusão revela-se precipitada e o país não muda assim tanto quanto o sentido de viragem do escrutínio aponta.
No máximo, inicia-se um ciclo [político] que se mantém como tendência, por algum tempo, mas que adiante se reforma outra vez, não raras vezes voltando ao estado onde se encontrava antes.
Não creio que no actual referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez as coisas sejam, assim, tão diferentes. Seja o que ocorrer com o voto maioritário dos portugueses, amanhã, domingo, a esquerda continuará a defender que é direito das mulheres decidir, indeclinavelmente, sobre a interrupção da sua gravidez, pela maior diversidade de razões; a direita continuará a dizer que o que se trata é da eleminação de uma vida, de um assassinato mais ou menos encapotado.
Confessei, aqui, noutro dia que me sentia dividido se tivesse que me pronunciar sobre a escolha. O facto de ser expatriado, de viver longe do país e do legislador constitucional não ter [ainda] entendido que a condição de emigrante ou expatriado é tão normal, digna e relevante como qualquer outra leva a que me seja vedado expressar a opinião em matéria de relevância acima da média.
Não creio que - seja qual for o voto dos portugueses - venha daí morte ao mundo. No dia imediatamente a seguir, os seus interesses mais visíveis recairão no habitual: as bichas para o metro e a costumeira greve dos transportes; as ruas aos buracos e o tráfego incomportável em dia de chuva; a porcaria do horário e o chato do chefe; a recriminação perante a arrogância do governo ou do ministro x ou y; as facturas para pagar e a casa para alugar lá para o Verão. É isso que anima os portugueses e a que eles se reconduzirão no dia imediato ao sufrágio, estou bem certo.
Naturalmente, as madames continuarão a ir a Espanha para fazer os seus desmanchos sem estarem expostas à curiosidade de alguém conhecido; as mulheres de agregados familiares pobres e miseráveis continuarão a fazer os seus abortos pelo expediente do costume. Não é que não exista informação bastante sobre os dispositivos que as previnem de ficarem grávidas, mas faz parte da condição da miséria a displicência perante esses cuidados. Não sei se o argumento veio à baila nos inúmeros debates que foram para o ar, a propósito da IVG, mas o homem português, designadamente o de baixa condição, não gosta do preservativo. Para ele o coito é ao natural, sem cuidados ou requintes de sanidade. Tanto em casa como fora de casa. Faz parte da sua condição de macho procriador. E se vier mais uma criança ao antro de miséria quem trata dela é a mulher, afinal o elo mais fraco da cadeia.
Não creio - ao contrário do que afirmou a direita [e alguns dos 4 ou 5 movimentos pelo não] - que assistiremos a uma subida vertiginosa dos abortos de fetos com menos 10 semanas, mas eles serão escrutinados [enquanto antes não o eram]. A rede de cuidados de saúde estender-se-á a uma área que andava sem cobertura.
Se o sim ganhar não criaremos um mundo pior. Se fosse esse o nosso problema mais grave!