quinta-feira, 10 de maio de 2007

O Papa no Brasil

Bento XVI visita o Brasil e lança uma mensagem episcopal contraditória que surge desfazada dos desafios do nosso tempo e das exigências de crescimento do catolicismo no Brasil. Falo como laico, não como católico que não sou. Desfazada, em primeiro lugar, porque apregoa valores morais que pouco fazem sentido hoje: a santidade do matrimónio, a benignidade do namoro e do noivado, a castidade dos jovens. O Papa parece ignorar a profunda revolução de costumes que aconteceu na Europa, nos Estados Unidos e no mundo a partir da década de 60 e dissemina uma mensagem moral em todo sintonizada com o apelo estreito dos evangelistas, episcopais e da extrema-direita norte-americana. Imagina famílias que já não existem.Teima em não ver o muito que mudou a sociedade hodierna e esquece fenómenos como a homosexualidade, as famílias monoparentais, a adopção, a liberdade sexual. Não é uma questão de esquerda ou direita, é uma questão de perceber o mundo.
A mensagem é desfazada em segundo lugar porque tenta obnibular o facto das igrejas presbiterianas, evangélicas e de orientação protestante estarem em rompante no Brasil eclipsando a acção da Igreja Apostólica Romana. Há razões fundas para isso [não sei se a Elen Bueno poderia nos esclarecer melhor sobre isso]: um distanciamento da Igreja Católica face aos problemas da gente pobre e abandonada dos arrabaldes das grandes cidades como o Rio de Janeiro ou S. Paulo; uma proximidade dessas novas convicções religiosas face aos problemas reais das pessoas - a educação, o combate à toxicodependência, a luta contra a marginalidade e a queda no crime organizado, a procura do emprego. Segundo as estatísticas oficiais [IBGE] os evangélicos cresceram no Brasil de 9% em 1991 para 15,45% em 2000 e 24% actualmente e ameaçam a primazia da Igreja Católica [apesar de 80% dos brasileiros se dizerem católicos].
A quebra da profissão religiosa no Brasil é imensa. O número de novas ordenações tem caído abruptamente e a maioria dos padres [actuais] deseja contrair matrimónio considerando-o parte integrante da sua ordenação e profissão. A Santa Sé recusa sequer considerá-lo, entendendo-o como um requesito incontornável da condição de padre.
Avoluma-se a sensação que com este Papa a Igreja andou décadas para trás. Há um aroma do velho dogmatismo estreito da Igreja - antes do Concílio do Vaticano II - na prédica papal. E é um drama porque precisamos no mundo conturbado dos nossos dias de fortes valores morais, de espiritualidade, do apelo do divino, mas sem dogmas nem pastores, seguindo o apelo do nosso coração.