segunda-feira, 12 de março de 2007

A Reforma da AP

Estou certo de que a maioria dos funcionários públicos está de acordo com a necessidade de uma reforma profunda da administração pública e até anseia que ela se concretize. Simplesmente, quase todos esperariam uma reforma que moralizasse e dignificasse a sua actividade e não um conjunto de medidas avulsas, cegas e injustas que os transforma em “bombos da festa” no regabofe do défice.
Não vou escalpelizar a totalidade das medidas ( o Arnaldo Gonçalves já o fez-e bem- noutro post) mas apenas levantar algumas questões que contribuam para um melhor esclarecimento desta matéria.

Reforma aos 65 anos
Convém dizer que se trata de uma medida justa, mas que peca por ser completamente cega. O mais aberrante nesta medida é tratar, de igual modo, um trabalhador com 30 ou mais anos de serviço e outro que acabou de entrar. Veja-se o seguinte exemplo:
-Um funcionário que em 2002 tivesse 53 anos e 33 de serviço, tinha criado expectativas de se reformar em 2005. Manuela Ferreira Leite cerceou-lhe essa hipótese, ao impedir reformas antes dos 60 anos. Quando já se habituara à ideia, o referido funcionário é “informado” que, afinal, só poderá reformar-se aos 65 anos. Contas feitas, vai descontar para a reforma durante 45 anos, enquanto o colega do lado, que entrou mais tarde para a função pública, ou é mais novo, continuará a poder reformar-se com apenas 36 anos de descontos. Será esta uma medida justa? E será justo que trabalhadores que se reformaram com pouco mais de 50 anos estejam a receber a reforma e a trabalhar ( às vezes no mesmo serviço ou empresa onde se reformaram) roubando emprego a pessoas que querem entrar no mercado de trabalho?


Comprar reformas

Sabe-se que os funcionários públicos foram incentivados a “comprar” anos de serviço, durante o Governo de Guterres, permitindo assim que se reformassem mais cedo. Muitos o fizeram e conseguiram- à custa de um malabarismo legal que enriqueceu os cofres do Estado- reformar-se mais cedo. Aqueles que não pactuaram com a medida, e agiram de boa-fé, estão agora a ser duplamente penalizados: reformam-se mais tarde, descontam durante mais anos, e ainda por cima não terão direito a receber a reforma por inteiro. Onde está a justiça social?
Levantam-se as mesmas dúvidas para a medida que visa cortar nas reformas dos trabalhadores mais antigos - que serão os mais severamente penalizados. Para os descontentes com estas duas medidas, deixo um sinal de esperança. Provavelmente Sócrates não recompensará mais nenhum dos seus dilectos servidores partidários com nomeações para cargos em empresas públicas, no último ano de trabalho, permitindo-lhes assim obter reformas chorudas. Ou estarei enganado e iremos assistir a um “remake” do que fez no governo de Guterres?
E quanto ao recurso ao “outsourcing”? Continuará a privilegiar-se o recurso a empresas, em detrimento de uma aposta forte na formação contínua dos funcionários? Há quem diga que o sistema é fácil, é barato e dá milhões! Se assim for, dificilmente se tocará nesta “vaca sagrada”...


Progressões automáticas

À primeira vista, há duas medidas que não sofrem contestação: a suspensão das progressões automáticas e a revisão do actual sistema de carreiras e remunerações. É indigno e desmoralizante o sistema de “progressão ao taxímetro” há muitos anos aplicado aos professores e mais recentemente- embora com pequenas restrições- a todos os funcionários públicos. Num sistema em que o funcionário dedicado e o que “se está nas tintas” são recompensados igualmente ao fim de três anos, com uma promoção, só se pode esperar um nivelamento por baixo ao nível do desempenho e da motivação. Claro que tudo isto está também relacionado com o sistema de avaliação que o Governo decidiu rever. Esperemos para ver o que será decidido neste âmbito, com a certeza de que o sistema antigo de promoções e avaliações era igualmente injusto e permitia favorecimentos. Apenas dois exemplos: um técnico superior, licenciado, em início de carreira, pode ganhar tanto ou mais do que um técnico superior que esteja no topo. Basta conseguir entrar para o quadro da Assembleia da República, ou de um organismo em que tenha direito a “emolumentos”. Por outro lado, um motorista a trabalhar num Gabinete, pode ganhar tanto como um técnico superior, graças às horas extraordinárias. Terá o Governo coragem para acabar com estas desigualdades aberrantes?

Revisão do sistema de carreiras

A revisão do actual sistema de carreiras precisa de ser feita com urgência. Mas será também necessário credibilizar os concursos para progressão nas carreiras e acesso aos lugares de chefia, impedindo que se façam concursos “à medida” onde só falta fazer exigência à cor dos olhos do candidato. O episódio relatado pelo Prof Lobo Antunes no seu livro “Histórias de Nova Iorque” é paradigmático acerca da farsa de alguns concursos na Administração Pública.Há muito a fazer para melhorar o serviço público. Como já se disse e escreveu, trata-se essencialmente de um problema de gestão. Acusar os funcionários públicos e, como castigo, retirar-lhes benefícios, não é um acto de coragem... Antes me faz lembrar aquele chefe de família que, para mostrar aos vizinhos que é ele quem manda lá em casa, resolve bater na mulher. Infelizmente a comunicação social tem-se comportado, nesta matéria, como o vizinho que acredita no que o “chefe de família” lhe diz, mas não procura conhecer a verdade.