quinta-feira, 12 de abril de 2007

Sócrates

Tenho a noção, aliás ainda alguém bem informado em Lisboa me transmitia isso ontem, que o incidente ocorrido com Sócrates está longe de se afastar "convenientemente" do espaço público e do combate político.
Este é - escrevo-o sexta-feira, dia 13 de Abril - o começo do fim do socratismo [seja isso a que for].
Agradeço piamente os esclarecimentos do Carlos Oliveira mas infelizmente eles não me fazem alterar o diagnóstico que fiz ao comportamento político do primeiro-ministro. Tenho para mim [mas é o meu critério] que os políticos têm dictames éticos a que têm de obedecer e embora eu aceite que as promessas feitas em campanha eleitoral não sejam muitas vezes para cumprir, e que o está no programa do governo [por exemplo a baixa dos impostos] não seja levada à prática quando as circunstâncias que pontuam a governação se alteram, aceito e compreendo que outros [e um segmento muito forte da opinião pública] qualifique tais actos como vigarices, faltas à palavra, trapalhices.
O comportamento ético do primeiro-ministro revela numa questão aparentemente menor - a da sua licenciatura - falta de estatuto, sentido de Estado e elegância, porque se afinca a vender aos outros a história mais conveniente para não pôr em causa uma verdade incontornável: ter sido favorecido por uma universidade privada na aquisição do grau de licenciatura que pomposamente usa no seu CV oficial.
Uma universidade privada que é conhecida por ter ali a leccionar figuras gradas do seu partido e da sensibilidade política a que [pelo menos até agora] foi fiel: o guterrismo.
Em nenhum país do mundo, em nenhuma universidade, o primeiro-ministro poderia ter tirado a licenciatura nas condições em que o fez. Digo-o com conhecimento de causa: sou há 5 anos professor do ensino superior, primeiro em Lisboa [na Universidade Internacional] e há 3 anos no Instituto Politécnico de Macau. A soma aritmética das cadeiras exigidas por dois anos escolares é impossível ser adquirida apenas num ano lectivo.
O comportamento do primeiro-ministro e a sua teatral entrevista na RTP têm uma outra leitura. Aquilo que em política se diz pela raison de l'État. Ou seja uma coisa é a verdade, outra coisa é a verdade que interessa ao Estado passar. Porque ao poder cabe governar e fazê-lo nas melhores condições, cabe-lhe gerir a narrativa dos acontecimentos para melhor servir os seus propósitos. O expediente tem raízes históricas - Maquiavel no século XVI ou Richelieu uns anos mais tarde explicaram, denodamente, que por regra os regimes têm que mentir para convencer as populações, para o bem delas. Dito anos mais tarde por Lenine: uma mentira contada muitas vezes torna-se verdade. Trata-se da ideia que Platão glosou há 2500 anos: a mentira nobre e a sua utilização como método de educação dos bons cidadãos.
E aquilo que este evento permite extrapolar é que se o primeiro-ministro mentiu sobre as suas habilitações literárias porque não mentir sobre a inevitabilidade da OTA, a utilidade do TGV e por aí fora. Daí eu ter mandado em post anterior algumas pequenas agulhadas que o meu querido amigo Carlos Oliveira não entendeu mas que a meu ver valeriam a pena ser exploradas jornalisticamente. Não quero dirigir os jornalistas, meu Deus do Céu, mas seria útil se eles também seguissem a pista de histórias que correm nalguns meios bem-informados em Lisboa e que podem ter alguma veracidade. Quando há fumo em princípio há fogo. O que não quer dizer que haja sempre.
Mas homenzinhos crescidos que somos, temos a obrigação de saber que os homens gostam mais de dinheiro que macacos por bananas e onde há possibilidade de se ganhar dinheiro ilegitimamente há sempre vários chico-espertos quie se fazem à pista. Em contratos com a dimensão da OTA ou do TGV posso presumir - devo presumir - que haverá alguém muito beneficiado pela opção e mais outros prejudicados pela mesma. Seria bom que percebessemos que o nepotismo, o tráfico de influências, a corrupção nada tem a ver com ser-se de direita ou de esquerda. Está na natureza dos homens. Basta só propiciar-se a oportunidade.
Não se trata - ao contrário do que alguma contra-informação começa a passar - de um caso do foro pessoal do primeiro-ministro com que nós contribuintes nada temos a haver. Um caso pessoal é saber se o primeiro-ministro faz despesas milionárias em imagem e cosméticos de beleza, se é ou não é homosexual, se viveu com fulano ou beltrano. Nada tenho a ver com isso, estou-me nas tintas.
Mas sou português e elego pelo menos um dos titulares dos órgãos do Estado, o Presidente da República, já que por viver no estrangeiro, sou impedido de eleger o primeiro-ministro. Mas se fosse americano e chamado a eleger o presidente as opções privadas e pessoais dos candidatos dir-me-iam respeito e seriam um factor indispensável de valoração quando fosse chamado a votar nas primárias. Isto é, cada estado, cada sistema tem uma forma particular de avaliar como o exercício da política se casa ou não com as preocupações de ordem ética e moral que são prevalecentes na sua cultura.
Por isso acho que o primeiro-ministro pisou o risco da ética do Estado e deve ser julgado pelos portugueses por isso. Não votei nele, nunca o elegeria confesso. Por isso acho que a bem da normalidade democrática a oposição deve cumprir a sua função e levar à pedra o primeiro-ministro.
Por muito menos, repito por muito menos, o Presidente da República Jorge Sampaio demitiu o então primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes. Perante a aclamação da oposição [e de José Sócrates] com uma desvirtuada interpretação dos dispositivos constitucionais. Será que por agora se terem invertido as posições o raciocínio já não joga?