Isaiah Berlin - um lapso de Pedro Correia
Diz Pedro Correia no seu "caderno diário" a coluna que mantém no Hoje Macau:
Um livro: Rousseau e outros Cinco Inimigos da Liberdade, de Isaiah Berlin.Foi uma das grandes edições “políticas” em Lisboa nos últimos dois anos, trazendo-nos um autor que durante décadas esteve injustamente esquecido do mercado editorial português, talvez por pensar contra a corrente aqui dominante. Berlin tem uma das suas principais obras agora editadas entre nós, com a chancela da Gradiva. O atraso é considerável: este livro resulta de uma série de conferências produzidas pelo autor em 1952 para a BBC em que desmontava a ideologia antiliberal de seis pensadores muito influentes dos séculos XVIIII e XIX. Rousseau, Hegel, Helvétius, Fichte, Maistre e Saint-Simon eram aparentemente cultores da liberdade. Mas foram afinal as figuras inspiradoras de alguns dos piores totalitarismos de todos os tempos, surgidos já no século XX. Berlin explica porquê, dissecando as linhas argumentativas de cada um deles com minucioso talento e uma veia polémica que o confirma como um maître penseur - um dos maiores do seu tempo. Num país onde os liberais continuam a ser olhados com suspeição, não admira que Berlin fosse visto durante demasiado tempo como um autor quase clandestino. Graças a Guilherme Valente e à sua Gradiva, caiu enfim o muro à volta dele.
Não é verdade que exista, pelo menos nos últimos 15 anos, um muro de silêncio à volta de Isaiah Berlin. Desde logo porque ele faz parte do curriculum escolar da mais importante universidade privada portuguesa, a Universidade Católica, e tem um lugar de excelência no mestrado em Ciência Politica, ministrado no Instituto de Estudos Políticos . O contributo de Isaiah Berlin para o pensamento político contemporâneo tem sido enfatizado, de uma forma consistente, por João Carlos Espada, director do mesmo instituto e actual assessor político do Presidente da República e desenvolvido pelos seus alunos [entre os quais me incluo com o Paulo Marcos]. Em segundo lugar a Gradiva e Guilherme Valente não foram originais na divulgação de Berlin. Já antes a Editorial Bizâncio havia lhe dado o devido destaque tendo publicado em 1998 A Busca do Ideal – Uma Antologia de Ensaios. Publicar Berlin em 1998 era difícil dado a hegemonização da discussão intelectual pela esquerda radical. Berlin nunca foi perdoado pelos compagnon de route dos comunistas pela sua crítica verrinosa ao totalitarismo, inclusive o comunista. Reeditá-lo hoje torna-se mais fácil dada a projecção pública de muitos analistas próximos da orientação liberal [Pacheco Pereira, Marina Costa Lobo, Pedro Magalhães, João Rosas] . A Guilherme Valente não terá falhado o sentido de oportunidade comercial.