25 de Abril - um olhar cruzado
Tenho o privilégio (e pena) de não ter vivido nem o pré, nem o pós 25 de Abril. Quando nasci, a AD governava o país sob a tutela de Francisco Sá Carneiro. As primeiras memórias políticas que tenho remontam aos discursos de Ramalho Eanes na televisão a a preto e branco lá de casa. Achava engraçada a forma como começava os discursos: "Portugueses e Portuguesas". Cresci a olhar para o 25 de Abril como a manhã que irrompeu na longa noite escura do fascismo. A liberdade de expressão e a democracia multipartidária sempre foram encaradas pela minha geração como um dado adquirido, mesmo que ouvíssemos e lêssemos sobre como era antes do dia em que a "Grândola Vila Morena" sinalizava na telefonia o início de uma nova Era. Mais tarde, quando marchava nas ruas contra as Provas Globais e contra o cavaquismo, que já viva o seu Outono, um director de um jornal, que mais tarde vim a prezar muito, catalogava a geração em que, por motivos etários, me incluo de "Geração Rasca". Que valores eram aqueles defendidos pelos estudantes que mostravam o cú ao ministro e insultavam barbaramente a então Ministra da Educação, Manuela Ferreira Leite? "Não fizemos o 25 de Abril para isto", ouvia-se (e ouve-se). Ou "esta rapaziada devia era ter vivido antes do 25 de Abril para saber o que custa estar privado de liberdade". Sempre me incomodaram essas palavras. Por motivos óbvios. Tal como o discurso de certos guardiães das sete chaves do templo da liberdade, de Abril. Ao longe, a 11 mil quilómetros brindarei ao dia em que renasceu a esperança em Portugal. O desencanto de hoje com a democracia que foi construída nestes 33 anos devia dar lugar a novos horizontes. Não os dos "Amanhãs que Cantam" em cujo logro tantos caíram - à minha dimensão também por lá andei... Mas de um "Novo 25 de Abril", se me permitem o lugar-comum. O da cidadania, do Espaço Público, do fim do paroquialismo na visão que a classe política portuguesa tem da vida pública e da Democracia Social, Competitiva e Cosmopolita. Palavras bonitas leva-as o vento e a tal Gaivota que voava, voava, voava, voava...
Deixo-vos com palavras mais substanciais, escritas em 1983, por Gilles Lipovetsky, em "A Era do Vazio".
"A indiferença pura e a coabitação pós-moderna dos contrários caminham a par: não se vota, mas quer-se poder votar; não há interesse pelos programas políticos, mas faz-se questão da existência dos partidos; não se lêem jornais, nem livros, mas defende-se a liberdade de expressão. Como seria de outro modo, na era da comunicação, da super-escolha e do consumo generalizado?" (p.121).