segunda-feira, 23 de abril de 2007

Como ler os resultados?

Por vezes, a vontade de fazer a leitura das coisas à medida dos nossos desejos, tira-nos clarividência e leva-nos a fazer juízos precipitados. Procurei não incorrer nesse erro, evitando fazer leituras sem dados comparativos em relação às presidenciais de 2002. Para já, os dados de que disponho permitem inferir que, sendo a abstenção muito menor do que a de 2002, os resultados devem ser lidos a essa luz. Por outras palavras, não se podem extrair conclusões precipitadas a partir da leitura das percentagens e esquecendo as votações absolutas ( nº de votantes num candidato ou partido, em 2002 e 2007).
A primeira ilação a tirar, é que enquanto Jospin e Chirac obtiveram na primeira volta de 2002, pouco mais do que 30% dos votos expressos, Ségolène e Sarkozy obtiveram quase 60%, ou seja, o dobro! Significa isto que a França virou ao Centro? Uma interpretação desse jaez é absurda, porque “lendo” a forma como correu a campanha, percebe-se que os franceses, no intuito de evitarem o descalabro de 2002, não só acorreram massivamente às urnas, como procuraram votar “útil” evitando o “choque” de 2002.
Le Pen foi um dos candidatos mais punidos, pois muitos dos seus potenciais votantes transferiram-se para Sarkozy, um candidato em quem, apesar de tudo, podem assumir que votam e com mais possibilidades de chegar ao Eliseu. Em sentido contrário, estiveram Sarkozy, Ségolène, e mesmo Bayrou, que beneficiaram do “voto útil”.
Por outro lado, se é verdade que a votação nos candidatos de extrema esquerda, em termos percentuais, foi sensivelmente metade da conseguida em 2002, também é verdade que o número de votantes nesses candidatos não se reduziu a metade, tendo sim uma quebra na ordem dos 30%. Nunca me perdi em devaneios políticos juvenis, pelo que nunca gastei o meu precioso tempo a apoiar candidatos maoistas ou trotskystas, mas sempre os considerei úteis à democracia( embora me irritassem os que se dedicavam a roubar e destruir mobílias de organismos e serviços públicos). Também nunca aceitei de bom grado que alguma extrema-esquerda siga a teoria do “quanto pior melhor”, mas tenho muito respeito e consideração por todos aqueles que não renegaram o seu passado e continuam a defender as suas ideias. Recusar-me-ei a apelidá-los de tralha, como faz o meu amigo Arnaldo, porque considero que continuam a ser essenciais à construção de sociedades democráticas onde- apesar dos defeitos que encerram- pretendo continuar a viver. A existência destes pequenos partidos, se outras virtudes não tivesse, tem pelo menos a de combater o pensamento monolítico, que alguns desencantados militantes da globalização muito apreciam.