segunda-feira, 23 de abril de 2007

Morre Yeltsin

O desaparecimento de Boris Yeltsin marca o fecho de um tempo que foi de esperança e mudança. Esperança de evolução da Rússia, país tradicionalmente autoritário e inóspito, para a família das democracias e dos estados de economia de mercado. Mudança do sistema autocrático [socialista] de que a Rússia era o centro e o motor. A sensação, quinze anos passados, é que as expectativas não foram de todo cumpridas, os ventos de mudança varreram as últimas ilusões e comiserações.
Escrevi, no meu diálogo com a escrita nos jornais por onde tenho comentado, sobre a sua figura de político. Factos positivos. De certa forma, um certo quixotismo, um sentido de ruptura que é fundamental nos momentos de transição para não se acabar a colaborar com as forças de passado. A presciência que era fundamental cortar com os comunistas e reduzi-los à sua insignificância. O apoio/traição a Gorbatchev foi o corolário deste sentido de oportunidade histórica: saber que a perestroika não poderia triunfar sem libertar o país do comunismo e da sua ideologia de terror e ostracismo. Mas que era impossível evoluir dentro da ideologia dominante pois o que a caracterizava era o totalitarismo e o passadismo.
Como homem de ruptura com o passado foi ultrapassado pelos próprios acontecimentos. Teve a sapiência de passar o testemunho do poder ao seu mais inteligente discípulo: Boris Yeltsin.
Hoje o balanço da sua Rússia é misto: um país que avança para a economia de mercado mas que tem dificuldades em alicerçar o seu Estado de Direito; um sistema político centralista, com tiques de autoritarismo, nacionalista mas que contraditóriamente tem os favores da maioria da população que não tem quaisquer aspirações democráticas [como Nikolas Gvosdev tem revelado nos seus artigos no National Interest]. Um país com enormes carências mas que tem sabidamente evoluído nos indicadores económicos, sendo um candidato fortissimo à Organização Mundial de Comércio, passo que lhe permitirá abrir e evoluir num sentido semelhante ao da China. Um país que tem uma enorme nostalgia da sua antiga grandeza imperial [czarista e comunista].
Putin não existiria se não fosse Yeltsin. Apesar de homem do aparelho comunista, que singrou à força de pulso e de tactismo Yeltsin tornou-se liberal, soube ler os sinais do seu tempo e escancarar a porta. A história regista-o já como um homem oportuno. Não terá sido um excepcional estadista mas o seu sentido de humor descomprimiram as relações com o Ocidente.
Inelutavelmente.
Ler Remembering Yeltsin de Dimitri K. Simes. Ainda Bye-bye Boris no The Economist.