O artigo de Fidel Castro
Ouvi hoje alguns comentários irónicos acerca do artigo que Fidel Castro escreveu ontem no Gramma, criticando as opções de Bush sobre a produção de combustíveis alternativos a partir de alimentos como o milho, o trigo ou a soja. Aos sagazes críticos de Fidel terá escapado alguma sensibilidade e perspicácia ambiental, mas não só...
Em primeiro lugar porque realmente não é recomendável que, num planeta onde a fome abunda, se recorra a produtos alimentares para produzir combustível, até porque há outras possibilidades técnicas mais evoluídas e menos dispendiosas para o fazer.
Em segundo lugar, porque o exemplo da revolução energética protagonizada pelo Brasil, através da produção de etanol (a partir da cana de açúcar) tem uma face oculta que deve ser lembrada. Na verdade, o “milagre” da revolução energética brasileira está a fazer-se à custa de trabalhadores vindos do Nordeste ( paupérrimo, mas com praias deslumbrantes que atraem hordas de turistas portugueses) que migram para o Sul em busca do “El Dorado”, mas são obrigados a trabalhar em condições de quase escravatura. Vivem em condições degradantes, trabalham 12 horas por dia a troco de 150 euros mensais e não têm quaisquer direitos.
Quem enriquece com o negócio do etanol são os intermediários da mão de obra, uma espécie de “roceiros” do século XXI que não hesitam em recorrer aos “capangas” para pôr na ordem alguém que ouse pôr em causa as condições de trabalho.
A imprensa latino-americana fala com frequência da situação dos “explorados do etanol”, a população está cada vez mais sensibilizada para esta questão, mas os europeus e os norte-americanos, instalados na sua sociedade da opulência e do desperdício, olham extasiados para esta revolução energética brasileira, criada durante a ditadura militar, como um sucesso estrondoso, sem cuidar das condições de vida das populações locais. Depois, admiram-se que apareçam uns “agitadores” como Hugo Chavez e Evo Morales, “desfasados do tempo e da História”. Mas qual tempo e qual História? Da civilização europeia ou da latino-americana?
A globalização não se fez apenas para construir a sociedade da hiper-escolha, fez-se também para melhorar as condições de vida dos países mais pobres, para diminuir o fosso existente entre os países desenvolvidos e em ( tentativa de) desenvolvimento.
Só quem não entende isso, ou não é sensível ao facto de as políticas ambientais deverem ser conduzidas para o benefício do mundo e não apenas de uma parte, pode sorrir com ironia ao ler o artigo de Fidel Castro. A União Europeia, felizmente, parece já ter percebido!