Postais de Buenos Aires 4- Encontro com Lobo Antunes
Regresso ao hotel para tomar um duche, depois de um dia de trabalho. Paro num quiosque da Calle Florida. A empregada não é só lindíssima... é também de uma simpatia inexcedível! Ajuda-me a encontrar o tipo de filme que procuro para a minha máquina fotográfica, tarefa nem sempre fácil num país sul americano. Espanta-se quando lhe digo que não sou espanhol, mas sim português, e parece quase ofendida quando lhe atiro um malicioso “ para vocês é tudo a mesma coisa, não é?”.
Rapidamente percebo que ela sabe bastante sobre Portugal. Ao fim de uns minutos de conversa pergunta: Sabe o que ando a ler? E sem esperar pela minha resposta estende-me um livro de Lobo Antunes, “ O auto dos danados”. Esbugalho os olhos de espanto. Sei perfeitamente que Lobo Antunes é muito apreciado na Argentina, ( já li várias entrevistas dele em jornais locais e tenho encontrado muitos argentinos que se interessam por vários autores portugueses) mas confesso que esperava mais que a jovem lesse qualquer coisa ao estilo de Margarida Rebelo Pinto! Sinto-me corar pelo preconceito, mas não esperava tamanha surpresa, e muito menos que me explicasse porque gosta mais de Lobo Antunes do que de Saramago. Concordo com ela quando me diz que Lobo Antunes já devia ter ganho o Nobel, e logo a seguir fala-me de Fernando Pessoa e ( imagine-se!) Florbela Espanca.
Já não me restam dúvidas que estou perante uma estudante de literaturas modernas, mas ela surpreende-me novamente ao dizer que ainda não acabou o liceu. O Corralito obrigou-a a suspender os estudos para ajudar a família e só no próximo ano vai regressar à escola. Touché!
Fico a saber que Stella é filha de pai italiano e mãe espanhola e, como muitos outros argentinos, olha para a Europa não como o El Dorado, mas como quem procura as sua raízes. Sejam elas italianas, espanholas, alemãs ou mesmo francesas. São cultos, cosmopolitas e comunicativos, mas não são provincianos, estes porteños...