Postais de Buenos Aires 2- O longo abraço
A tarde estiou, mas sem o calor sufocante típico de Buenos Aires nesta época do ano. Decido ir até Palermo, um dos tradicionais “barrios” bonaerenses onde Jorge Luis Borges passou uma boa parte da sua infância , mas que só conheceu verdadeiramente quando para lá voltou em 1921, depois de regressar da Europa. Caminho a pé, descendo a Avenida de Mayo e metendo pela Corrientes.
Nesta espécie de Broadway sul americana, alguns teatros abrem as suas portas para as sessões da tarde e as livrarias fervilham de movimento. Multiplicam-se os cibercafés, jovens ( não muitos, porque é Verão...) reúnem-se em tertúlias e multiplicam-se os espaços oferecendo lições de tango. Depois do “Corralito”, em 2001, o tango voltou a ser a dança nacional argentina. De San Telmo a Puerto Madero, de Palermo a La Recoleta, não há restaurante, café ou boteco, que não anuncie noites tangueras onde o tango é cantado, dançado e sentido com a vibração de outros tempos. Os teatros também aderiram e são vários os que anunciam espectáculos evocativos da História do tango. Mas Buenos Aires é uma cidade de cultura que não se enquistou na sua dança nacional.
Os porteños são simpáticos e alegres e a cidade espraia-se, numa suave planura, como que oferecendo-se em dádiva ao caminhante que a pretende descobrir. Como escrevia Borges, “mais do que uma cidade Buenos Aires é um país e nela se deve encontrar a poesia, a música , a pintura, a religião, a metafísica, de acordo com a sua grandeza.” E tão fácil é entabular relações com os porteños, ou ceder à tentação de acariciar a cidade com a mesma ternura da descoberta de um corpo de mulher, que o difícil é mesmo não dar razão a Borges. Porque quem não conseguir descobrir essa multiplicidade de facetas que envolvem Buenos Aires num longo abraço, não conseguirá apreciar a cidade e dificilmente compreenderá a Argentina, como o país mais emblemático da América Latina.